Cartas de Outubro (20)

 

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“COMO É RUIM VIVER POR VIVER, LEVAR A VIDA... É TERRÍVEL!”

 

O som da granada é algo inconfundível. Eu me encolhi e senti a terra caindo sobre mim. Não tive certeza se sobreviveria, eu acho que por algum momento, eu já estava me entregando, mas todos queriam sair vivos. O instinto de sobrevivência é o que leva o homem a combater outro homem. Muitos de nós, nem mesmo sabia defender sua posição com lógica, nem mesmo, sabia argumentar sobre os reais motivos daquela guerra ridícula.

Eu só queria retornar para casa, ver meus pais e saber que Elisa ainda estava me esperando. Naquele dia, eu não morri, mas me senti um covarde porque foram muitas as vezes, em que me encolhi na trincheira, eu só queria sobreviver. Eu tive notícias dos heróis que morreram em combate, eu não queria ser um herói morto, eu preferia ser um covarde que retornava para casa e eu voltei, com uma perna amputada, mas voltei.

 

Elisa já estava casada, meu pai morreu dez dias depois que eu retornei, ele nem se lembrava de mim por causa do Alzheimer. Foi ruim ver que ele não se lembrava de mim, eu fui esquecido. Vivi na bebedeira e no escárnio, um herói de guerra que eu nunca havia sido. Daí desencarnei, me preparei para reencarnar e não suportava muito barulho, uma criança muito sensível aos ruídos, tinha autismo, eu sei que foi decorrente dos barulhos das granadas que eu não pude superar. Tudo tem explicação lógica deste lado, por isso, deveríamos ter mais paciência com as pessoas, tudo tem explicação.

Sei lá, já faz tempo que eu não faço nada de útil. Tenho pensado que as vidas que vivi, apenas passaram por mim, eu me lembro de todas elas, eu me lembro de como agi e que me senti envolvido nisto ou naquilo, com desejo de ser alguém que faz coisas que beneficiem outras pessoas e é lembrado porque foi bom ou positivo, mas eu apenas passei pelas vidas que recebi.

Como é ruim viver por viver, levar a vida... É terrível! Chega-se aqui com sensação de inutilidade, covardia. Eu quero mais do que isso, não quero apenas expiar, quero ser livre para desempenhar os pontos mais importantes do meu eu. Eu desejo ser alguém que auxilia e se arrisca pelo bem do ser humano. Será que isso é possível?

Eu estou tentando formular um plano onde, apesar de todas as minhas limitações, eu possa realizar algo de nobre, para isso, meu instrutor me fez aguardar por um grupo de espíritos de quem sou afim, para traçar planos novos. Estou esperançoso. Acho que é possível ter em mente o benefício de terceiros, enquanto eu evoluo por meus bons propósitos, deixando de lado minha necessidade material ou minha vaidade. Sobressaindo minhas virtudes. Eu quero que dê certo.

LÚCIO

31/10/20

 

---------------------Paula Alves-----------------

 

“PODERIA TER INCENTIVADO O ESTUDO E O TRABALHO NOBRE”

 

Eu achava mais prudente que meu filho experimentasse as coisas ao meu lado, boas ou ruins eu poderia instruí-lo, muito melhor do que se envolver com pessoas mal intencionadas.

Achei mais adequado que ele bebesse junto de nós, bebidas comuns às reuniões sociais e familiares, onde eu pudesse controlá-lo e dar advertência, se preciso fosse. Minha esposa estava de acordo comigo. Sempre acreditamos que os pais devem ser amigos dos filhos para que nos consultem em qualquer assunto, para que falem conosco e busquem solucionar as dúvidas dentro de casa, mas eu me equivoquei.

 

Cheguei ao abuso do meu poder como pai, na verdade, eu me reprimi como pai, esta é a verdade. Eu me enganei totalmente.

Enquanto, eu me dediquei para ser seu amigo, deixei minha missão de pai de lado porque o amigo deve ser agradável, cordial e o pai deve dizer não, proibir, direcionar com firmeza e dar o exemplo.

Eu deixava beber em casa, ao mesmo tempo que bebia com ele, me embebedava com ele, ensinava o vício e o desmantelo da moral porque estávamos passando da medida juntos, bêbados dentro do lar.

Podia fumar se fosse nas minhas vistas, ou seja, podia tudo, desde que eu soubesse, para impor certo controle, mas não tinha controle nenhum porque ele podia tudo.

Levar moças para dentro de casa, onde no quarto podia tudo, com uma num dia, outra no outro dia, sem nenhum tipo de reprimida ou contrariedade, nunca ensinamos sobre pureza ou castidade. Ele era homem e homem devia ser viril, não interessava de quem era aquela filha, porque sim, a namorada era filha de alguém, uma moça que tinha sentimentos por ele e seria descartada como todas as outras. Nada disso me incomodava.

Eu ensinei a dirigir com doze anos. Entreguei o carro em suas mãos e achei lindo, falava que ele estava pronto para dirigir, ele sabia.

Eu fui tão irresponsável, meu filho não teve infância e nem pudor, orientação, exemplos edificantes dentro de casa.

Até que houve uma viagem, todos nós estávamos tão felizes, era uma verdadeira aventura e ficamos felizes em sair com a turma. Pai e mãe que acompanhariam os amigos do meu filho único. Os outros pais tinham um pouco de ciúmes de nós, mas eles só liberaram a viagem porque estaríamos presentes.

Eu me lembro da tirolesa e achei o máximo quando vi. Gritei que seria o primeiro, mas meu filho foi na frente e ocorreu um acidente. Depois de tomarmos de tudo um pouco, meu filho se aventurou e não tinha como perceber que tinha uma pedra no fundo do lago. Ele se jogou e qual seria a probabilidade de cair direto naquela pedra?

Naquele dia, eu não queria estar no controle das minhas ações. Eu fui ridículo, imaturo, não sei como posso ter errado tanto com aquele rapaz. Eu me sinto muito envergonhado porque só percebi o quanto era culpado quando minha mãe no enterro do meu garoto me falou umas verdades, me ofendeu e disse que eu era o pai e não o amigo dele.

O MENINO TINHA UM AMIGO, MAS CRESCEU SEM PAI E NEM MÃE DENTRO DA CASA.

Eu tive tempo para refletir, eu vivi muito, minha esposa ficou tão perturbada que se separou de mim, foi embora da nossa casa. Eu vivi muito me indagando onde poderia ter acertado, mas hoje eu sei. Eu nunca fui pai.

Deveria ter abandonado meus atos falhos e me dedicado aos bons ensinamentos para que ele tivesse uma vida longa e feliz, responsável.

Eu ensinei e incentivei todas as formas de abreviar a vida, fazer tolices e ser irresponsável, imaturo. Poderia ter incentivado o estudo e o trabalho nobre. Poderia ter falado sobre família e amigos leais, sobre como encontrar uma boa moça e ser pai de família. Nós poderíamos ter sido amigos depois de tudo isso. Quando ele estivesse maduro para me olhar com respeito e afeição. Eu teria gostado de ser o pai dele.

Nos últimos dias tive o prazer de me encontrar com ele e pedi perdão. Solicitei uma nova oportunidade de ser seu pai e poder desempenhar adequadamente esta missão e ele aceitou, tão bondoso não guardou mágoas, me abraçou. Eu agradeço por tudo o que Deus colocou na minha vida.

SUZANO

31/10/20

 

-------------------Paula Alves--------------

 

“QUANDO A GENTE MORRE NOTA QUE GOSTAVA MUITO DA VIDA QUE TINHA E NUNCA DEU VALOR”

 

Era um bairro muito violento. Eu fui professor naquela vida e sentia que tinha que me proteger de alguma forma, por isso, adquiri uma arma. Eu a deixava bem guardada dentro de casa e rezava para nunca ter motivo para usá-la.

Minha esposa nem sabia que eu tinha uma arma em casa. Eu achava que tem coisas que a gente não tem que dizer. Afinal, omitir não é mentir. Existem pequenas falhas e segredos que ninguém deve saber. Eu preferia que as pessoas soubessem de mim, apenas o que eu quisesse, saberiam as coisas boas e fariam o julgamento que eu permitisse.

Mas, não é bem assim que funciona. Nós deixamos transparecer coisas, mesmo sem mencioná-las. Nós nos entregamos por ações, olhares, maneira de vestir e se comportar com todos. Aqueles que tem uma boa observação podem ler todos que quiserem.

 

Ninguém consegue mentir o tempo todo. As pessoas se entregam quando estão nervosas, tensas, doentes... Deixam transparecer.

Eu estava nervoso, acreditei que seria demitido, eu odiava aquele emprego onde as pessoas estão apenas por estar, cumprindo obrigações. Professor que ensina para receber, detestando aluno, leitura, cultura. Aluno que detesta aprender, ler, compreender, faz por obrigação para ganhar nota e passar de ano, para receber atestado de conclusão.

Um dia, quando me formei, eu sonhava em lecionar para pessoas que desejam obter o conhecimento, trabalhar com outras tantas que ambicionavam o mesmo que eu. Onde todos desejam esta troca literária, documentária, científica. Eu queria ensinar para quem estivesse disposto a argumentar e aprender, mas não por obrigação, por nota, para cumprir uma meta, uma imposição.

Eu me decepcionei com os planos de estudos, com os outros professores, com a direção da escola e com os alunos, eu me frustrei com minha postura, por eu ter entregue minha vitalidade e sucumbido diante de todos.

 

Daí arrumei encrenca, falei o que não devia para professores, direção, alunos e passei a ser detestado no meu local de trabalho.

Não me dei conta de que estava perdendo o juízo e voltei para casa, abandonando a sala de aula. Minha esposa não estava lá, mas meu filho estava e decidiu mexer onde não devia.

Ele encontrou a arma que estava escondida e disparou. Eu não o culpo, ele não sabia que a arma estava carregada. Ele era jovem, treze anos e não tinha como saber que o pai não tinha juízo.

Eu senti o ferimento e lembrei de tantas coisas importantes. Me lembrei de quantos aprenderam a ler comigo. Eu me lembrei do nascimento do Elson, eu queria ter tido mais tempo com ele, mas tinha que ser assim.

A morte não é tão dolorosa quanto se pensa, não precisa ter medo de morrer. É uma coisa tão normal, como nascer ou crescer. Fato natural que vai acontecer com todos, muitas e muitas vezes, não precisa ter medo – o Elson dizia segurando a minha mão, ele chorou.

Eu estava com medo porque não sabia nada de morte, mas não precisava ter medo mesmo. Eu vi minha mãe e ela falou que estava na hora de voltar.

Foi um acidente, mas eu entendi quanta coisa boba a gente faz na vida porque não se dá conta de que a morte pode chegar, de repente, a gente perde tudo o que importava de verdade.

Quando a gente morre nota que gostava muito da vida que tinha e nunca deu valor.

EDUARDO

31/10/20

 

--------------------Paula Alves----------------

 

“TAMBÉM PRETENDE RETORNAR COMO SUICIDA?”

 

Foi por causa dos produtos de limpeza. O odor era realmente muito forte e eu já estava tão acostumada que nem percebi.

Claro que tinha material de proteção, mas eu não queria usar. Ficar com aquela máscara o dia todo, já pensou? Horrível!

Daí eu tirava, fazia todo o meu serviço e quando o chefe aparecia, lá estava eu com a máscara. Meus pulmões não aguentaram, comei a ter muita dificuldade para respirar, daí foi consulta médica e exames, descobri a fibrose cística.

Fui afastada e percebi o quanto eu gostava de trabalhar, o quanto eu gostava de ter fôlego e de respirar como eu gostava de respirar.

São pequenos hábitos, funções tão simples da vida que a gente nem se esforça para realizar e só percebe o quanto são maravilhosas quando perde, quando não aguenta e precisa de socorro médico. Eu ainda tive sorte porque aquele plano de saúde me possibilitou ter todo o atendimento que eu necessitava. Minha família culpou meu ambiente de trabalho porque sabiam que era ocupacional, mas eu sabia do meu erro e não culpei mais ninguém.

 

Valorizar o corpo físico não é para qualquer um. Eu sei que as pessoas se aproveitam do seu livre arbítrio para estragarem o corpo com vícios de todos os tipos, até os sexuais, alimentares, medicamentosos. Vícios morais que arruínam os centros nervosos como a maledicência, ser sovina ou paranóico. A vaidade pune o corpo com tratamentos de beleza cada vez mais esdrúxulos ou a necessidade do banho de sol que torra a pele. Aventuras desencabidas que levam a morte desastrosa.

São tantas causas morte que os profissionais da saúde se deparam e não conseguem compreender como o ser humano pode se destruir de forma tendenciosa e inconsequente. Mesmo que a embalagem do cigarro noticie as verdades do consumo imprudente, ainda assim, existem tantos fumantes para arruinarem os sistemas respiratórios.

Pessoas que vão reclamar das varizes, mas fumam, bebem, se tornam obesos e sedentários por opção.

 

O QUE DIZER DE NÓS?

 

Eu fui suicida, verdade, passei maus bocados não zonas punitivas, mas fui acolhida e estou em tratamento me recuperando e tomando consciência da nova experiência que devo iniciar em poucos meses. Mas, e você?

TAMBÉM PRETENDE RETORNAR COMO SUICIDA?

MARIA ODETE 

31/10/20

             -----------------Paula Alves----------------



Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“QUE EM TODOS OS LARES, OS IRMÃOS POSSAM TER EM MENTE O QUANTO É DELICADO O ENVOLVIMENTO SEXUAL E A PROTEÇÃO DO CORPO FÍSICO”

 

Eu achava uma tolice. Acreditei que devíamos ter os mesmos direitos de escolha e de opção, de oportunidades, mas minha mãe via tudo como impuro e promíscuo.

Naquela época, eu não pude perceber o quanto ela desejava me proteger do mundo lá fora. Quando vocês me fazem lembrar, quando acesso as partes mais longínquas deste passado, eu me recordo de uma mulher que fez tudo por mim.

Minha mãe desejava que eu tivesse uma vida melhor do que a vida que ela teve. Ela queria que eu tivesse um lar, um esposo dedicado e filhos saudáveis. Ela queria que eu fosse boa mãe e esposa, que eu fosse feliz, só isso.

 

Mas, naquela vida, eu não pude notar que é isso o que as mães querem. Além disso, ela tinha a experiência e a dor, ela teve o preconceito contra ela, ela teve os vizinhos julgando e as dificuldades. Quando minha mãe falava de virgindade, eu a repelia. Pensava por que uma mulher não pode ter tudo o que um homem tem. Por que uma mulher é repelida por fazer escolhas e por ter descoberto o sexo antes do casamento.

Eu nunca pensei em ideal de pureza, conservação do corpo como vaso sagrado ou na idealização do amor como base do seio doméstico. Eu me iludi achando que a mulher deve ser comparada ao homem, deve aparentar uma imagem forte e dominadora ou de competição com o sexo oposto, mas pra quê?

 

Eu estive errada.

 

Namorei muito, cometi tantos equívocos. Minha mãe me aconselhou quando começaram a falar de mim, quando eu cabulava aulas para namorar e quando as moças me apontavam. Ela chorou e disse que eu estava falada, ela não queria que eu fosse mãe solteira como ela.

Eu fumei, bebi, não consegui me formar e vi nos olhos do Amaro uma indiferença que me castigou.

Eu o amava do fundo do coração e meu comportamento fez com que ele se afastasse para sempre naquela existência.

Qual é o homem que confia numa mulher como a que eu fui? Feita para casar...

 

Mulheres feitas para casar todos querem. Uma esposa honesta, amorosa, que sabe educar os filhos e é acolhedora com todos os familiares, mas eu não tinha nenhuma destas credenciais e todos diziam que eu não podia ser fiel por causa do meu comportamento leviano.

Foi tudo por água abaixo porque o Amaro desviou o olhar, não pode aturar tudo o que fiz. Hoje eu compreendo bem o que significa o ideal de pureza, o recato que se perdeu no tempo. Entendi que não é uma questão de preconceito de gênero, mas da forma como a mulher se porta diante de si mesma. Está relacionado com o seu amor próprio, sua forma de se respeitar diante de todos e de si mesma.

É não permitir que qualquer um tome parte de si, ou pelo menos, se entregar para o eleito do seu coração, para aquele que vale mais do que todos no seu ponto de vista. Manter o seu corpo inviolado é o mesmo que manter íntegra sua consciência, seu padrão mental que se opõe a tudo o que pode agredi-la e ser contestado o que não lhe faz bem, mesmo que o mundo todo diga que isso é proveitoso e permitido.

Eu precisei visualizar a parte mais pura do ser, a alma, o Espírito imortal para saber que o amor não se traduz pelo contato sexual, muito pelo contrário, mas pelas sensações reais ligadas a muitas outras virtudes que são recíprocas entre homem e mulher.

Lealdade, respeito, cumplicidade, amizade, culminando em virtudes que superam o ser como altruísmo e abnegação, onde você, pouco a pouco, pode eliminar o egoísmo em virtude do bem estar do outro.

Esta forma de amar transcende o corpo, o tempo e o espaço, supera a própria morte e envolve os seres favorecendo a evolução social, modifica todos que estão ao redor, movimenta a vida.

Eu precisei do reencontro com Amaro aqui no plano espiritual, precisei de entendimento e de perdão para comigo mesma. Eu me arrependo de tantos fracassos que vieram em decorrência de minha leviandade: a recusa da união com Amaro, sexo desregrado com tantos homens, o aborto que cometi, a minha derrocada moral, as décadas de sofrimento nas regiões purgatoriais. Tudo por causa da falta de pudor.

Minha mãe não foi responsável por nada disso. Eu sinto muito.

Que em todos os lares, os irmãos possam ter em mente o quanto é delicado o envolvimento sexual e a proteção do corpo físico.

O IDEAL DE PUREZA DEVE SER EXPLANADO PARA OS JOVENS E PERMITIR QUE FAÇAM ESCOLHAS CONSCIENTES PARA REDUZIR O NÚMERO DE SOFREDORES E DAS IRRESPONSABILIDADES PROVENIENTES DO SEXO SEM JUÍZO.

NATÁLIA

24/10/20

 

---------------------------Paula Alves-------------------

 

“EU TIVE UM DOM DIANTE DE MIM E QUASE BLOQUEEI POR SER DIFERENTE DA MAIORIA”

 

 

Eu esclarecia pontos de vista. Era como se eu falasse sozinho. As palavras brotavam na minha mente. De repente, eu cantava, palpitava em mim, a felicidade que se convertia em tristeza em poucos minutos do dia e eu chorava de forma convulsiva desejando que minha mãe ainda estivesse ali.

Em determinado momento, não pude mais aguentar, a oscilação de humor me tornava um homem isolado, desejando ter pensamentos silenciosos onde eu não refletiria a direção da vida ou os tormentos sociais. Eu queria mudar as situações ou fechar os olhos diante das dificuldades das outras pessoas?

Estranho imaginar que eu podia estar doente e que não tinha com quem falar. Eu me perguntei se um amigo, nestas horas, poderia evitar um colapso emocional. Eu não tinha ninguém!

 

Fui à igreja, talvez a fé tivesse algo a ver com minhas desilusões, eu não sabia nada de Deus, mas eu, apenas chorei. Vi tantos como eu, mas estavam insanos, estavam se entregando ao fanatismo para solucionarem seus problemas de relacionamento íntimo.

Fui ao médico que achou fácil medicar e colocar um freio em meus pensamentos tumultuados, ele precisava me calar, então, me diagnosticou como esquizofrênico e disse para não interromper os medicamentos. Eu apaguei e me vi distanciado do meu eu.

 

QUEM ERA EU?

 

Para que servia uma pessoa apagada, morto vivo no meio da sociedade...

Interrompi os medicamentos e me coloquei a disposição das conjecturas, pensei, pensei tanto como se houvesse dez seres dentro de mim, foi uma confabulação cheia de dilemas e retóricas que me cansaram, porém, colocaram a incógnita da minha necessidade evolutiva.

Eu deveria estar ali por um motivo.

Fui à biblioteca e encontrei tudo o que me deu prazer, o estudo, a leitura, o raciocínio, tudo estava diante de mim. A reintegração com meu eu e a oportunidade de colocar à diante o meu potencial criativo para gerar positividade... Eu precisava multiplicar conhecimento, eu vi.

Hoje sei que tive tudo pela vontade de Deus, as inspirações, as indicações do que eu devia fazer e como poderia utilizar bem meus requisitos enobrecedores. Tudo estava ligado a um plano minuciosamente elaborado. Cheio de vida, para quê bloquear?

Estudei, me formei e lecionei por mais de quarenta anos, filosofia, línguas, artes. Eu tive um dom diante de mim e quase bloqueei por ser diferente da maioria.

 

Nós não podemos viver em comparação com outras pessoas, pois cada um de nós é um ser único e cheio de atributos. Comparar é desmerecer tudo o que foi assimilado até aqui. Comparar é aceitar que somos iguais e que não necessitamos de mais nada como o arrogante que se acha totalmente preparado, perfeito.

Eu não estava doente ou possuído, simplesmente tinha fome do saber, tinha necessidade de produzir e quando me coloquei diante de mim mesmo, incentivado pelos amigos invisíveis, eu alcancei meus objetivos e prossegui no meu caminho. Graças a Deus.

SOARES

24/10/20

 

--------------------------Paula Alves------------------

 

“TODOS NÓS PODEMOS SER A LUZ NA VIDA DE ALGUÉM”

 

Eu amava os animais. Desde que, deixei a casa dos meus pais, vivi na rua, cercado de animais. Para mim, até o mais minúsculo deles, tinha a sua graciosidade, a sua formosura.

Era como se eu pudesse confiar neles, em seu carinho, na atenção que eles me dedicavam, já os humanos... Eu havia perdido a fé nos homens!

Sei que eu tinha coisas graves para resgatar. Ninguém está dizendo que eu fui santo ou que meu pai poderia ter sido punido de um jeito mais cruel por tudo o que eu passei, não é isso.

Eu tenho compreensão de que ele abusou de mim na infância porque estávamos ligados por ódio e vingança, por tudo o que fizemos no passado, mesmo assim, eu não tinha como permanecer naquele lar.

 

Eu culpei meu pai por longos anos, para ser sincero, até aqui. Eu culpei minha mãe por não me defender dele, por não ter feito nada quando percebeu, por tentar esconder.

Eu culpei a Deus por tudo o que eu achava que merecia e não tive, pela falta de oportunidades ou de facilidades na vida.

Eu me acomodei, me acostumei a achar que era um fracassado, abusado pelo mundo. Olhei para todos e vi o meu pai, com medo dos outros, do ser humano.

Uma forma de enxergar que não revela o que as pessoas realmente são, então, preferi valorizar os animais porque com eles eu estava mais seguro, mais familiarizado, nada de mau poderia me acontecer, mas a vida dá muitas voltas.

 

Deus sempre nos coloca um direcionamento para que possamos retomar o caminho da evolução. Aquela mulher amava os animais, ela saia da sua comodidade, da sua vida de rica, da sua clínica cheia de luxo para vacinar os animais da rua, para alimentar os animais da rua. Eu nem sabia que existia gente assim...

Gente do bem que faz coisa boa sem esperar receber em troca. Gente que faz o bem e se sente em paz, o bem que motiva e faz feliz.

Ela me encantou, eu a observava de longe, um amor platônico sem a menor intenção, sem maldade ou pretensões. Mas, ela me viu, no meio do caos e do lixo, cheirando mendigo, dormindo com cachorro, alimentando os pombos, ela também me viu de longe e conseguiu me enxergar como gente, como ser humano.

 

Daí, ela quis saber dos meus motivos. Ela quis me ajudar: “sair da rua?” – perguntei.

Eu nem pensava mais nisso, acostumei com a mendicância, com a falta de vergonha em ser pedinte e miserável.

“Tão jovem e bonito” – ela falou – “só precisa de oportunidade e de esforço próprio”.

Daí para frente, eu quis melhorar por mim, por ela, pela forma como ela me olhava. Ela me ofereceu um local para morar, um alojamento para rapazes, voltei a estudar e arrumei emprego no pet, eu amo os animais, o contato com eles me enobrece.

Eu parei de pensar no meu pai, eu quis apagar os horrores da minha vida e dar a volta por cima. Pensei que ainda dava tempo de ter uma vida boa, uma reconstrução da minha identidade e quando, um dia, eu ganhei uma bolsa de estudos para ser veterinário, eu ganhei o mundo...

Eu devo tudo àquela mulher que nunca teve nada comigo, mas teve tudo. Nós não ficamos juntos como um casal, mas ela me fez virar gente, me deu todos os recursos para me tornar um homem com saúde mental e física, ela acreditou em mim, viu em mim um alguém que só precisava ser incentivado.

Nos tornamos bons amigos e até hoje eu sou grato pela luz que ela acrescentou em minha vida. Todos nós podemos ser a luz na vida de alguém.

TER FÉ NO SER HUMANO É TER FÉ EM SI MESMO.

CLAUDIO

24/10/20

 

----------------------Paula Alves--------------

 

“DEUS TEM MUITAS FORMAS DE NOS ENSINAR A AMAR AS PESSOAS”

 

Eu subia tantas vezes, descia tantas outras que ainda me lembro daquela escadaria. Ela gritava e me fazia subir correndo, carregando bules e xícaras, oh! mania que aquela mulher tinha de um chá.

Eu tinha ímpetos de jogar tudo em cima dela, mas me controlava porque não podia perder aquele emprego.

Muito depois da Lei da Escravatura, bem depois, todos nós tínhamos direitos assegurados, estabelecidos e aquela dona ainda era racista?

Eu não suportava. Não era o que ela falava, mas como ela pronunciava aquelas palavras toscas, bem elaboradas e cheias de malícia.

Era a forma como ela me apresentava às suas amigas ricas e cheias do mal.

Eu subia e descia as escadas porque a branca não queria sair do quarto, do que será que ela tinha medo?

 

Eu reinava lá embaixo, dava graças a Deus que seu império era o quarto e quando ela gritava, eu respirava fundo.

Confesso que cheguei a cuspir no chá, eu confesso, acho que paguei cara por aquele cuspi. Eu sei que todo o preconceito que ela tinha por mim, era recíproco, eu a detestava, nem sei se a cor da nossa pele fosse a mesma, se nos entenderíamos, acho que não.

Sabe aquela repulsa? Aquela aversão em olhar na cara de alguém? Alguém que você não quer ver nem pintado de ouro?

Pois bem, era isso o que nós sentíamos uma pela outra, mas eu precisava dela e ela de mim. Vivemos assim, por mais de trinta anos. No fim, minhas pernas estavam cheias de varizes, câimbras, nervo ciático que me matava e aquela dona gritando, não aguentei.

Eu já estava velha, acabada e ela na cama pedindo chá. Cheguei amargurada e gritei com ela para a rua toda ouvir, falei que eu mesma ia tirá-la da cama se ela não descesse para tomar o chá comigo na mesa, chega!

Cê pensa! Claro que ela desceu. Sempre pôde descer, fazia tudo naquele quarto a madame (há-há-há).

Desceu cheia de altivez para me demitir e se surpreendeu com a mesa de chá que eu havia preparado para nós. Rimos muito naquele dia. Sentamos como duas senhoras de bem e nos tratamos com educação e respeito. Confabulamos sobre tantas coisas que vivemos, a morte dos nossos maridos, a partida de nossos filhos, a chegada dos netos e nós duas sempre ali, esbravejando e fazendo caras feias.

Estávamos unidas há muito tempo. Eu aprendi a gostar dela e ela de mim.

Deus tem muitas formas de nos ensinar a amar as pessoas. Pode acorrentar as pessoas em nós até o dia que achar necessário. Isso acontece nos laços de família, mas também nos trabalhos que nos são imprescindíveis.

A vida sempre age para nos tornar pessoas melhores.

Eu e a Ofélia aprendemos a ser amigas, a deixarmos o racismo de lado e a sermos companheiras, apesar da distinção social. Estabelecemos um laço de fraternidade que nos uniu com tanto afinco que estamos trabalhando juntas aqui no plano espiritual e eu já pedi perdão pelo cuspe no chá (há-há-há).

CLOTILDE  

24/10/20      

                  -----------------Paula Alves----------------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“O VERDADEIRO AMIGO É AQUELE QUE SE COLOCA NO LUGAR DO OUTRO COM INDULGÊNCIA E ALTRUÍSMO”

 

     Eu sempre soube que não acabaria bem porque não devemos misturar negócios com amizade. Eu gostava dele. Rubinho era um cara legal, divertido e nossas famílias se entendiam bem. Sempre foi boa a convivência com nossas esposas e filhos que brincavam felizes e nós combinávamos passeios na praia ou no clube, estávamos juntos nas festinhas das crianças, mas percebi que ele ficava um pouco nervoso quando eu trocava de carro ou quando compramos o sítio.

Eu sabia que o Rubens estava devendo o empréstimo no banco e quando a sogra adoeceu, ele me pediu dinheiro emprestado, mas eu nem pensei duas vezes, porém, reparei que ele comprou roupas novas e estava muito galante.

Dias depois, apareceu com uma nova obrigação de pagar escola para as crianças, dizia que precisava pensar mais no futuro dos meninos, eu não pude negar o dinheiro ao meu amigo.

De repente, ele chegou com o carro igualzinho ao meu.

 

“As coisas estão melhorando” - dizia ele.

Foi mesmo, em dois anos, ele comprou outra casa e repentinamente se afastou de nós. Eu seria incapaz de cobrar porque não tinha jeito para fazer isso, mas a Paty – minha esposa, mencionou a rejeição que sentira da esposa do Rubens e o jeito que ela a evitava.

Passou um tempo, nós vivenciamos um desabamento financeiro e tivemos que nos unir para ultrapassarmos esta fase difícil, mas a Paty sempre foi uma esposa nota dez, esforçada e delicada demais para reclamar da vida, nós superamos, mas neste caso, meu amigo Rubens chegou a caçoar de mim na porta da escola das crianças, eu fiquei constrangido e me ofendi com ele.

O que seria esta nossa amizade? Ora, se quando eu passava por dificuldades ele se afastava de nós e ainda nos apontava pelas ruas...

 

Demorou para eu saber que ele tinha vício de jogo e usou meu dinheiro para pagar dívida, mas a sorte mudou e ele ganhou uma boa quantia, nunca me pagou... Quando não precisou de mim, virou as costas.

Por isso, eu digo que as amizades são raras.

Existem pessoas que só pensam em se aproveitar dos benefícios que podem ser concedidos através da amizade. Exploram, se aproveitam da posição social, dos bens, das viagens, do comodismo, do conforto ou do status. Tem gente de todo tipo.

O verdadeiro amigo é aquele que se coloca no lugar do outro com indulgência e altruísmo, sim altruísmo porque ele está sempre pronto a auxiliar, mas não é explorador, usa sem abuso dos bens que lhe são concedidos e, tão logo seja possível, restitui até de sobra. Nunca constrange e guarda segredo de situações que poderiam se tornar vexatórias ou discriminatórias.

Quem você conhece que estaria ao seu lado em caso de miséria, doença ou tragédia?

Eu me ressenti muito do aconteceu com o Rubinho, mas a vida é tão perfeita que ele perdeu tudo o que conquistou com o dinheiro que veio fácil e teve que retornar ao seio da minha família para pedir ajuda novamente, e eu?

Jamais deixaria a família passando por privações, ofereci emprego honesto, com dinheiro limpo, esforço e renovação, mas não pude oferecer minha amizade, pois não confiava mais neles.

O Rubens se sentiu ofendido e, além de recusar o emprego ainda me insultou, dizendo que se eu fosse seu amigo emprestaria o dinheiro sem impor condições, ou seja, acho que as pessoas não conseguem perceber quando falham, ou então, ele achou que eu fosse um tolo de verdade.

Infelizmente doutor, são inúmeros os casos em que nós temos que ser previdentes em relação as pessoas, devemos ter delicadeza para observar de fato o que desejam de nós e sabermos ter discernimento para nos envolvermos com elas, sem sermos agredidos, nem física e nem moralmente.

Graças a Deus aprendi e consegui melhorar nossa situação. Em outras existências, estivemos ligados como irmãos e ele me roubou a herança, noutra como esposa, me traiu e ficou com todos os nossos bens, noutra ainda como amigo e sócio, ele também me roubou. Precisamos passar por tudo novamente para que eu pudesse aprender como me proteger das investidas dele sem comprometer-me com a Lei. Paz e luz.

OTACÍLIO

17/10/20

 

--------------------------Paula Alves----------------------

 

“RESPEITEM-SE AMIGAS!

AMEM-SE MULHERES!”

São muitas as pessoas que se aproveitam quando nós as tratamos bem, com amor e honestidade.

Tentei ser uma boa esposa, apesar de perceber o quanto ele era grosseiro e mal educado. Me falavam que isso era em decorrência à sua terra natal, diziam que no lugar onde ele morava todos eram assim, seus familiares eram assim e, se eu o amasse, teria de aguentar, mas eu estava contrariada com aquele jeito rude de ser.

Será mesmo que a pessoa tinha que me destratar na frente dos outros, gritar comigo e não desejar que eu o respondesse, era horrível.

No início, eu me esforçava e respirava fundo, procurava minhas tarefas ou as crianças e deixava os gritos de lado. Alguns familiares olhavam assustados nas festas infantis, temendo que ele me agredisse, isso nunca aconteceu, mas existem palavras que ferem bem mais, hostilidade e indiferença também.

 

Sabe quando você quer falar uma coisa que lhe é importante? Quando seu marido chega em casa e você quer dividir questões domésticas e ele simplesmente não te escuta, deixa você falando sozinha... Claro que me irritava.

Com o passar dos anos, eu me senti explorada como mulher, mãe e esposa. Como se nada do que eu pensava e sentia importasse para os outros. Como se eu devesse ser uma máquina de limpar, passar ou cozinhar, só isso.

E ainda tinha as vezes que eu servia como amante, mas nem sempre era na hora que eu queria, entende?

Eu nem sabia se as minhas queixas eram egoísmo, pensar em mim de vez em quando parecia atitude de egoísta porque eu sempre deixava todo mundo em primeiro lugar, todos e a casa, o serviço para a família.

Eu cansei doutor. Eu me abati tanto, não tinha situação de alegria, de contentamento. Foi como não ter forças para falar ou para sentir, uma apatia tomou conta de mim.

Claro que eu amava meus filhos, mais do que tudo no mundo. Eu desejava que fossem felizes, eu queria que estivessem bem, mas eu fazia tudo de forma robotizada, tudo no automático e eu fazia de forma cotidiana, tão naturalmente que ninguém percebeu nada.

 

Eles cresceram, meu marido achou que eu não era mais interessante, ele não queria me ouvir, eu me calei e ele arranjou outra, mas não para sair de casa que ninguém cuidaria dele como eu, empregada em tempo integral que não cobra um tostão... Olhava para mim como se fosse obrigação por ter um teto.

Tudo se modificou na vida deles, filhos que se tornaram adultos e tinham suas vidas, meu marido feliz com a amante e eu apagada, jogada no canto.

Emagreci horrores, estava sem forças para continuar, eu minguei.

Não houve remédio, nem corda, nada. Acho que o suicídio involuntário foi porque eu não me esforcei para viver. Eu não me interessei para conservar minha vivacidade, não foi?

Antecipei meu desencarne em quinze anos. Eu sofri, estava em estado de demência, nem conseguia entender e depois do socorro foi bom ser cuidada por alguém, nem sabia mais o que era isso, minha mãe veio me ver. Nós conversamos tanto e ela me explicou que eu errei muito porque o amor começa em nós.

Ninguém pode amar o outro se não construiu uma forma de amar internamente. Quem se ama se protege, se cuida, se trata bem. Eu não deveria ter deixado ele começar com a humilhação, nenhum dia.

 

As pessoas tem que ter limites. Limite de respeito e consideração. Nunca destratar, tratar com grosseria, maldade, não importa se falou ou se olhou, se fez gesto do mal. Tudo gera o mal e causa ódio, rancor, indignação, prejuízo moral para ambos os lados.

Respeitem-se amigas! Amem-se mulheres! Mostrem com delicadeza, mas firmeza como merecem ser tratadas, antes disso, tratem-se da forma lisonjeira que merecem, com recato, ternura e seriedade. Isso faz bem para o mundo. Mulher bem tratada é família organizada na Terra.

FILOMENA

17/10/20

 

------------------------Paula Alves-----------------

 

“TER NA MENTE QUE OS VALORES SÃO INTEGRAIS”

Eu ouvia aquela menina falando que não ia comer carne, eu achei bonito o fundamento dela. Eu não tinha leitura e nem conseguia entender parte das coisas que ela falava, mas eu tinha orgulho de tê-la criado.

A mãe era médica, estava sempre ocupada e a menina se criou comigo, entre as panelas e as tarefas daquela casa tão grande, a gente ria e contava piada, mas ela cresceu e falava que não ia comer carne.

Eita! Eu me lembrei de tanto tempo passando fome. Lembrei de quando era menina no sítio e a terra já estava seca, gado do pai morrendo, as plantações só o farrapo, a criançada toda com fome e a mãe teve que sacrificar a Jurema – nossa galinha de estimação.

 

Vocês podem falar que não era para ter uma galinha de estimação, mas eu tinha. Acho que se pudesse, também não ia comer carne, de jeito nenhum.

Eu me senti cruel, mas confesso, acabei comendo a minha galinha, chorei, me senti mal, mas não tinha jeito. Alimentou dez pessoas...

Quando a Clara falava que não ia comer carne, ela explicou do direito dos animais, lembrei da Jurema. Seria muito interessante se as pessoas pensassem no bem dos animais que amam, zelam por suas crias e demonstram sentimentos e inteligência. São mais leais que muitos seres humanos porque os animais não têm pretensão de possuir, de ostentar, de ser mais do que ninguém, né?

 

A verdade é que lá em casa, carne era um luxo.

A gente comia um pedacinho para sobrar para todos, nem sempre tinha carne no prato. Ela falava de um jeito e eu me senti tão mal.

Falou de crueldade contra os animais e que a escolha era nossa. Ela queria ser veterinária e tinha as suas razões, podia comer o que quisesse, achei muito lindo, mas fiquei com tantas dúvidas.

“Acho que tem assunto precisando ser discutido de todos os lados” – falei para a Clarinha. Ela não quis ouvir porque me achava chucra, mas eu pensei que, além do fato da carne, as pessoas têm que revisar tantos valores. Fazem mal para os animais, mas não é só para eles. Agridem crianças, os próprios pais, a natureza de forma geral, os cônjuges, a nação, o mundo...

Para ter vantagens pessoais e financeiras vendem até a mãe, o que dizer dos animais...

Pra falar a verdade, tudo é questão de educação mesmo viu. Aprender a comer direito, respeitar todo mundo e não se vender por nada neste mundo. Não vender a honra e a dignidade, não difamar, não bater, não ofender e, muito menos, matar outro ser.

Isso é o que eu acho bonito. Ter na mente que os valores são integrais. Quem quer ser correto corrige os hábitos alimentares, mas muito mais do que isso, corrige sua forma de ser e pensar porque não adiantar apontar o dedo com tanta gente passando fome. Se cada um fizer o seu papel no mundo, quem sabe um dia, a gente deixa de comer carne...Necessidades materiais para seres que estão presos à matéria?

MARIA JOSÉ

17/10/20

 ---------------Paula Alves--------------

 

“JUNTOS SOMOS MAIS FORTES, SEMPRE!”

 

Eu tinha medo, mas ninguém percebia. Meu medo nunca me impediu de trabalhar, estudar e viver minha vida, porém, por um momento, as pessoas começaram a me perseguir.

Mania de perseguição? Stress? Síndrome do pânico e ansiedade? 

Hoje em dia, tem diagnóstico para tudo. Naquela época ninguém sabia o que eu tinha. Foi no auge dos filmes do James Bond.

Eu sei que não era nada daquilo. Um homem louco que pensa ser espião e vê espionagem, mentira e sabotagem.

A princípio, eu ria de mim mesma, depois, achei que estava sendo perseguida pelas ruas, corria, me escondia nas lojas.

No fim, era esquizofrenia mesmo. Eu me achava tão normal, quase me casei, mas cismei que meu noivo tinha amante e desisti, achei que encontraria coisa melhor e fiquei sozinha, cheia de cismas e paranoias.

Só quem sabe o que existe numa cabeça assim, é quem é assim. No caso eu que fiz tratamento por vinte anos, meu Deus!

Ainda me lembro de tantas coisas ridículas doutor, mas eu entendo que naquele estágio, eu estava tão doente e me sentia tão aflita que nada poderia ter dado certo.

Eu queria a clausura, o medo tomou conta de mim. Eu achei que minhas sobrinhas estavam querendo me matar para ficar com a casa, mas elas eram delicadas comigo, porém, eu as agredi e elas me internaram. Compreendo que não é nada fácil para as outras pessoas.

Nós assumimos provas, expiações e acreditamos que vamos avançar, nos destacarmos entre outros seres que estarão propensos a nos prestar auxílio, se acaso necessitarmos, mas é um erro.

Eu não dei conta de mim, quem dirá desejar que alguém assumisse todos os riscos. Daí me comprometi tanto com meus pensamentos que a paranoia se incrustou em mim. É muito árdua a tarefa de controlar nossos pensamentos.

Hoje estou reabilitada, estou feliz. Me preparo para atuar na crosta ajudando pacientes, mas sei que a tarefa será complicada.

Atualmente, depois de toda onda de doença que se instalou, existem muito neuróticos por aí. Pessoas em processo de desespero e descontrole, mostrando sua total incapacidade. Os familiares e amigos que deveriam apoiá-los, indicando centros de apoio e tratamento, estão antagonistas a isso, preocupados com questões financeiras e deixam de lado estas pessoas que tropeçam por aí em outros que também se arrastam na infelicidade.

Despertem irmãos! Unamos nossas forças para que não sejam tantos infelizes do lado de cá, pelo contrário, para que sejam muitos a se auxiliarem e, unindo esforços, sejam inúmeros abençoados, elevando-se na sabedoria e trabalho edificante.

Se um ajuda o outro, todos melhoram. Existem muitas formas de ajudar: prestar a atenção no outro, escutar, aconselhar, ler o Evangelho, dar ânimo, paz e esperança. Cuidar do núcleo mais próximo: família e amigos.

Juntos somos mais fortes, sempre!

LENILDA

17/10/20

  ---------------------Paula Alves---------------- 

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“EU INVENTEI UMA VIDA QUE ERA SÓ MENTIRAS, CHEIA DE ERROS E INDIGNAÇÃO”

 

Eu tinha horror àquele corpo, simplesmente não conseguia compreender por que merecia sofrer com tudo aquilo. Aquelas experiências bizarras, onde eu me via como uma mulher perfeita, mas era um homem.

Na infância, eu desejava os brinquedos das meninas e tinha trejeitos que meu pai repugnava. Ele tentava me ignorar, tentou castigar, mas eu não queria brincar com os demais meninos, me sujar e correr pelas ruas.

Cresci vendo minhas irmãs se pintarem, invejando suas vestimentas, desejando que aquilo fosse um erro, que todas as minhas convicções pudessem ser explicadas por alguém e que eu me conformasse com minha situação de homem, mas isso nunca ocorreu.

Depois de algum tempo, já adulto, eu me revoltei, depois de tantas surras, de tanto preconceito por parte de meus familiares, eu me revoltei com a vida que levava, com a falta de espaço no mundo numa sociedade repressiva em que eu era um homem recalcado.

 

Me indignei tanto com o que eu sentia que não quis viver daquela maneira. Nada justificava meus sentimentos. Eu não tinha vocação para pai de família, eu não queria mulheres ao meu redor. Eu não queria, nem mesmo, me olhar no espelho e não existia o que mamãe pudesse falar que solucionava meu problema físico e moral.

O fato é que eu descobri um estranho talento para me travestir, eu me tornava uma linda mulher e me identificava com a imagem que reproduzia quando estava pronta como Valentina.

Eu dançava nas boates e quando percebi já estava totalmente marginalizado, ligado às drogas e prostituição. Nunca mais vi mamãe, eu teria vergonha que ela me visse caracterizado como mulher. Eu me escondi, vivi uma farsa.

Desencarnei com aids depois de passar mais de vinte anos me travestindo.

Sempre fui só, parecia que, aos poucos, minha mente construía uma realidade completamente ilusória. Vivendo da forma mais conveniente, vivendo a minha fantasia, cheio de rímel e cílios postiços. Eu inventei uma vida que era só mentiras, cheia de erros e indignação.

Quando desencarnei, fui vítima de meus próprios abusos, passei muito tempo me penitenciando nas regiões inferiores.

O que muita gente como eu não consegue entender é que nós tentamos burlar a Lei o tempo todo, buscamos facilitações. Nós não conseguimos aceitar e nem desenvolver os planos que nós mesmos solicitamos. Quando reencarnamos e nos deparamos com as dificuldades que deveriam nos elevar, nos revoltamos. É mais fácil culpar a Deus, blasfemar, incorrer em nova falta, buscar burlar o sistema e ser pessoa frágil, vitimista que relaciona seu sofrimento a tudo o que não se pode mudar. Eu fui só mais um.

 

Na minha época, era mais difícil porque eu precisava aceitar meu corpo, eu precisava conviver com aquele organismo masculino e aceitar, mas hoje em dia, é ainda pior porque as pessoas são estimuladas a ser o que quiser e podem mutilar-se, modificar completamente o organismo que foi concedido por Deus, elas erram achando que estão acertando.

A sociedade atual, acredita na materialidade de todas as coisas e induz uma concepção em que você decide o que é melhor, você pode mudar de ideia e conduzir sua vida mediante as facilitações da sua conjectura mental, mas nem sempre o que achamos certo é realmente certo.

DEUS PERMITE TUDO, MAS CADA UM DE NÓS ARCARÁ COM TODOS OS ABUSOS QUE FOREM COMETIDOS POR IMPRUDÊNCIA, VAIDADE, DESCUIDO OU EGOÍSMO.

Eu compreendi o quanto é importante se comprometer com tudo o que Deus coloca em nossas vidas. Dar graças, louvar, aceitar e desenvolver-se a partir do que temos. Honrar a vida que recebemos d’Ele. Eu me vejo como homem, renascerei, mais uma vez, como homem e agradeço por mais uma oportunidade que me será concedida. 

LUÍS MIGUEL

10/10/20

 

------------------------Paula Alves-----------------------

 

“MUITOS, ACHAM MAIS FÁCIL FICAR RECLAMANDO, AO INVÉS, DE ARREGAÇAR AS MANGAS E PRODUZIR ALGO DE ÚTIL”

 

Aquela vida de miséria me revoltava. Por que o filho da patroa podia ter tudo o que quisesse e na nossa casa faltava de tudo?

O pai dele era médico, tinha carro, casa de grã fino e brinquedos sofisticados. Minha mãe trabalhava tanto, ela tinha as mãos calejadas e quando chegava em casa meu pai ainda a humilhava. Faltava de tudo porque ele pegava o dinheiro para pagar dívida de jogo.

Eu cresci vendo a diferença entre ricos e pobres. A diferença da sociedade que facilita demais para uns e cobra tanto de outros. Minha mãe até ofereceu emprego como jardineiro, eu não quis, achei que fosse humilhante aquele riquinho ficar me destratando no meio dos seus amigos ricos. Não quis passar pelo constrangimento de ser apontado como o filho da empregada

 

A verdade é que eu me revoltei sem razão nenhuma. Muitos, acham mais fácil ficar reclamando, ao invés, de arregaçar as mangas e produzir algo de útil. Minha mãe precisava de mim, ela precisava que eu a defendesse dos abusos do meu pai que a explorava. Daí eu cresci, poderia tê-la ajudado, mas me tornei um explorador como ele, eu a envergonhava, fui preso, tirei dinheiro dela e a deixava preocupada, desesperada.

Eu me arrependo muito das escolhas que fiz e percebo que está no alcance de todos, reverter o que temos de negativo na vida e nos tornarmos seres irrepreensíveis, desenvolvermos o que Deus coloca diante de nós. Eu poderia ter sido um bom homem, ter honrado minha mãe e aproveitado as oportunidades que me deram para ser ainda melhor na sociedade, já que eu sabia perfeitamente o que era passar dificuldade.

Infelizmente, eu não consegui compreender que tudo depende de mim, da maneira como eu me sentia e me comportava. Se eu não fosse tão orgulhoso e egoísta poderia ter me elevado e ter ajudado mainha.

TOMÁS

10/10/20

 

---------------------Paula Alves------------------

 

“CULPAR OS OUTROS POR NOSSOS ERROS, POR NOSSOS SOFRIMENTOS NÃO PODE SER CONSIDERADO COMO ALGO NORMAL”

 

Aquele homem tinha todas as razões para ser um bom pai de família, mas me envergonhava, me humilhava e me agredia. Eu não sabia como reverter os maus tratos que recebia dele, achava que valia a pena tentar que ele mudasse por nossa família, por nosso filho, mas por mais que eu tentasse, ele ficava cada vez mais cheio de ira.

Eu comecei a me irritar com aquela situação e perguntei a Deus por que eu merecia passar por tudo aquilo, por aquele sofrimento de necessidade e agressões no meu lar. Por que por mais que eu me esforçasse para ser boa mãe e esposa, aquele homem não mudava. Eu não queria mais aquela vida para mim, eu não queria ser espancada diante de todos, mais uma vez.

Eu apanhei muito, me sentei e questionei para mim mesma por que eu colocava nas mãos de Deus uma situação que havia sido criada por mim.

SE EU TIVESSE QUE AVALIAR MINHA VIDA E A FORMA COMO ME ENVOLVI COM AQUELE HOMEM, CONTRARIANDO MEUS PAIS, LARGANDO MEUS ESTUDOS, PERMITINDO QUE ELE ME LEVASSE PARA SUA CASA, TÃO JOVEM, ENGRAVIDANDO, USANDO DROGAS JUNTO COM ELE, APOIANDO AS MALUQUICES QUE ELE FAZIA, EU TERIA ENCONTRADO AS JUSTIFICATIVAS DO MEU SOFRIMENTO.

Aquele homem não estava no meu caminho por que Deus queria o meu sofrimento, mas porque eu mesma buscava o sofrimento.

Eu cometi os erros iniciais e permiti que ele cometesse os erros comigo. Eu não podia continuar culpando as outras pessoas por minha derrota ou por minha falta de escrúpulos em realizar os meus deveres. Eu não havia sido uma adolescente responsável, eu não fui boa filha, eu não cuidei adequadamente do meu corpo físico, me droguei, engravidei, mas poderia ter adquirido uma doença venérea, eu fui toda irresponsável e me coloquei a disposição de alguém que nunca me respeitou porque eu não me dei ao respeito.

Culpar os outros por nossos erros, por nossos sofrimentos não pode ser considerado como algo normal.

Se eu tivesse feito tudo diferente como seria minha vida? Mas, era tarde para voltar atrás, então, eu fiz minha mala e peguei meu filho, lembrei de uma tia que morava em outra cidade e fui embora.

Eu sofri o suficiente para me empenhar para me tornar uma boa pessoa para mim e para o meu filho. Recebi a ajuda da tia Magá e com muito esforço consegui criar meu filhinho com dignidade.

ÁS VEZES, BASTA UM ATO DE VALENTIA E DE SENSATEZ PARA MUDAR TUDO O QUE ESTÁ ERRADO E PARTIR DO PONTO ZERO PARA RECOMEÇAR E ACERTAR NA VIDA.

VIOLANTE

10/10/20

 

---------------------Paula Alves-------------------

 

‘TEM MULHER QUE NÃO CONSEGUE COMPREENDER O QUANTO O CORPO É VASO SAGRADO”

 

Eu queria casar com ele, ter casa e filhos. Sonhava com uma vida simples em que pudesse ser feliz, uma vida normal, mas não era isso o que ele queria.

Existem pessoas que são tão espertas, manipulam sentimentos e ações das outras pessoas. Eu não era tão ingênua assim, mas não entendi como minha vida chegou naquele ponto.

Eu era bonita, estava apaixonada e meu namorado usou tudo isso para me entregar para outro homem. No início eu não consegui fugir, fiquei consternada, paralisada, como se eu fosse uma qualquer, uma mulher menosprezada, insultada. Eu tive medo e revolta, fui atirada num quarto de hotel e tratada como leviana, mas não foi o pior.

Quando tudo acabou é o pior, a forma como recebi o olhar daquele homem, eu me senti lixo, podridão.

Tem mulher que não consegue compreender o quanto o corpo é vaso sagrado. Não entende por que tem que velar, ao invés, de mostrar. Por que tem que ter polidez nas palavras, delicadeza de ações para que possa ser preservada.

Muitas vezes, um olhar fala tudo e naquele dia, eu perdi todas as esperanças de ter uma vida decente. Foi como se eu estivesse em dívida com o passado e estivesse recebendo uma punição por algum erro. Meu namorado entrou no quarto, me entregou uma quantia, eu bati na sua cara e ele me bateu de volta. Difícil de esquecer doutor, difícil.

 

Eu tive uma vida ruim depois disso tudo. Nunca mais o vi, me esforcei para que ninguém soubesse do acontecido, jamais. Vivi uma vida de melancolia, me escondendo, temendo que os homens se aproximassem de mim, até que me suicidei achando que poderia me libertar daquelas lembranças repugnantes.

O inferno foi pior, mas logo recebi o auxílio e me foi explicado que meu namorado tentava se vingar por erros cometidos em outras existências quando eu era o homem e ele a mulher. Eu era gigolô e fazia com que fosse prostituta das mais humilhadas, das mais mal tratadas. Foi ajuste de contas, mas eu não consigo esquecer, eu não posso perdoar.

Eu nutri amor, eu estava isenta de erros naquela vida, eu não merecia aquela punição.

 Por que as pessoas não podem ser boas?

Por que uma mulher não pode se entregar para um homem e ser amada, valorizada e respeitada por ele?

Será que os homens são todos iguais?

O amor é só uma ilusão das mentes românticas?

Como é possível se envolve depois disso tudo? 

FILIPA

10/10/20

 

-------------------------------Paula Alves-----------------------

 

    

 

 

 

 

 


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“TUDO ACONTECE COM UM RICO PROPÓSITO”

 

Eu planejei tudo... Após ver a vida da minha irmã mais velha, constatei que todos nós temos que planejar nossas vidas e não nos desviarmos de nossos objetivos.

Soube, desde o princípio, que a vida de uma mulher seria muito mais fácil com profissão, por isso, me esmerei nos estudos, tinha a intenção de ser arquiteta como meu pai. Sonhava em ter meu próprio negócio, ser independente e conseguir minha estabilidade financeira para, só então, pensar em constituir família.

Meu pai nunca mais olhou minha irmã da mesma forma, depois que ela engravidou de um homem que nós nunca conhecemos. A Karina ficou com o bebê na casa dos meus pais que a assistiram em tudo, mas perderam todas as expectativas de que minha irmã tivesse um futuro feliz.

 

Eu, porém, era a luz dos olhos do meu pai. Ele fazia todas as minhas vontades e depositava em mim suas esperanças. Eu queria fazê-lo feliz e me tornei uma moça estudiosa, tendo a certeza de que atingiria meus objetivos, mas o que eu não me lembrava é de que já havia feito planos antes de reencarnar e estes planos precisavam ser concretizados.

Quando olhei nos olhos do José, foi como reencontrar um amor juvenil. Eu senti um arrepio e me senti desamparada foi como se eu estivesse confessando para mim mesma que seria impossível chegar a concluir meus planos de independência e profissionalismo, por ele, eu colocaria tudo a perder.

Nós nos envolvemos, apesar de minha contrariedade, a razão dizia para eu me afastar dele, mas meu coração me levava ao seu encontro. Meses depois, comecei a me sentir terrivelmente enjoada, eu estava gravida, chorei e me senti ridícula porque estava seguindo os passos de minha irmã. Eu mataria meu pai de desgosto, mas era minha vida, meu filho, eu teria que enfrentá-lo.

Eu me enchi de coragem e quando estava prestes a contar a ele, meu pai me deu uma lição de vida. Ele falou que já estava cismado comigo e imaginava porque eu estava tão aflita nos últimos dias, ele já havia percebido meu envolvimento com o seu funcionário e entendia que eu não queria admitir que gostava dele. Papai falou de Karina e do quanto se decepcionou com ela, mas ele estava errado porque as pessoas têm caminhos e minha irmã fez a sua escolha, dela surgiu o seu neto Afonso que tanto amava. Ele não podia fazer escolhas por nós e nem mesmo desejar que tudo fosse diferente. Ele ainda mencionou que não mudaria nada, se para isso tivesse que perder Afonso. Tudo está certo da maneira que está, disse meu amado pai. Eu só chorei, falei que achava que estava grávida e ele afirmou que eu precisava ter certeza para me cuidar e ao bebê, José deveria saber para fazer sua escolha, mas para ele família devia se apoiar, ele nunca iria me abandonar.

 

Eu nunca imaginei que meu pai tinha apoiado tanto minha irmã. Eu merecia tudo o que aconteceu porque sempre tentei ser melhor que a Karina, competia com minha irmã como se ela fosse uma fracassada e tomei da mesma água, copiei os passos dela.

Falei com José que ficou super feliz e me pediu em casamento, eu exultei, mas era apaixonada por ele e decidi arriscar, papai nos auxiliou com uma casa pequena para começarmos, José tinha honra, iria pagar aos poucos e eu interrompi meus estudos até o nascimento do bebê, mas depois voltei e consegui me formar.

A verdade é que o caminho foi mais árduo, difícil, mas nem tanto porque todos me apoiaram, meu filho nasceu saudável e me deu uma alegria inenarrável. O fato é que do jeito que aconteceu não poderia ter sido melhor.

Muitas vezes, nós fazemos planos e acreditamos que da forma como imaginamos é perfeito, mas perfeito mesmo são os planos de Deus na nossa vida. Tudo acontece com um rico propósito. Quando não reclamamos e tentamos fazer valer a pena todas as oportunidades que recebemos, tentamos solucionar cada problema aparente com fé e sinceridade consigo mesmo e com os demais envolvidos, só pode dar certo. Não devemos ter receio ou vergonha de pedir ajuda e confessarmos que falhamos em algumas escolhas, mas muitas vezes, onde achamos que estava o erro, estava o grande acerto.

LUÍSA

03/10/20

 

 -------------------Paula Alves-------------------

“OLHAMOS TUDO COM UMA VISÃO EGOÍSTA E IMEDIATISTA”

 

Eu não conseguia olhar para eles juntos. Meus próprios pais! Amava minha mãe, mas meu pai sempre me deu nos nervos. Em tudo ele me irritava, até quieto.

Na adolescência, eu tentava agredi-lo com minhas ações medíocres e fazia de tudo para separá-la dele. Eu não tinha motivos reais para fazer isso porque ele sempre foi um exemplo a ser seguido, bom homem, esposo e pai, fiel, trabalhador e amistoso, todos gostavam dele, menos eu.

Minha mãe foi excelente, sempre tentou nos aproximar e meu pai tentava ter paciência, mas eu o tirava do sério e ele saia andando para não me bater, mas houve um tempo em que tudo estava tenso em nossa casa e não aguentamos.

Meu pai descobriu um câncer e estava temeroso, quem quer morrer?

 

Eu me aproveitei da sensibilidade dele e o martirizei, simplesmente falei que ele devia morrer e parar de ser um inútil em minha vida. Por que foi que eu disse isso? Ele me bateu tanto e tanto, eu resolvi revidar. Minha mãe gritava e pedia socorro, os vizinhos tiveram que apartar a briga e eu resolvi ir embora naquele dia.

Saí de lá tão indignado, ofendido, desejava a sua morte. Em minha mente vinham momentos em que os dois estavam felizes sem mim, uma loucura só. Como se eu fosse indesejado, mas isso era sandice, meus pais nunca me rejeitaram, eu rejeitava meu pai.

A doença dele acelerou muito depois daquele dia e minha mãe me procurou para pedir que eu fosse vê-lo. Ela disse que eu devia pedir perdão porque o que eu fiz foi terrível e eu não consegui entender que era mais do que terrível. Ele desencarnou e eu nem mesmo fui no enterro. Voltei a ver minha mãe, para mim estava tudo bem, apenas nós dois, mas dentro de mim, uma consciência torturava o ser afirmando que eu fui o filho ingrato e matei meu pai de tanto desgosto.

 

Anos depois, minha mãe morreu e quando, após muitas décadas de solidão, eu desencarnei de forma violenta sofri por ser um filho ingrato, entre outras coisas. Meus pais me socorreram e fui esclarecido que, em outras vidas, fizemos vários duelos por causa do amor dela. Precisamos vir como uma família para que o amor nos unisse e nascesse muitas outras virtudes desta união: amizade, lealdade, amparo... Mas, eu me recusei e queria destruí-lo.

Meu pai se feria dia após dia. Deve ser horrível você tentar ser querido por alguém que só te insulta. Ele tentou ser meu amigo, desde quando eu era pequeno, eu o rejeitei e recusei todas as investidas de vivermos em paz.

Acredito que, se fossemos ensinados, do quanto os laços de família são necessários e o quanto devemos nos esforçar para amar aqueles que estão por perto, poderíamos respeitar de forma diferente. Poderia ser mais fácil, mas olhamos tudo com uma visão egoísta e imediatista.

Eu falhei e não sei como será numa nova tentativa. Eu queria muito que funcionasse e que pudesse haver amor entre nós.

EVANDRO

03/10/20

 

 ----------------------Paula Alves----------------

 

“NUNCA DISTORCEMOS A VERDADE PARA NOSSOS FILHOS”

 

Naquela ocasião, eu enxerguei a vida do prisma da dificuldade e do sofrimento. Trabalhava de sol a sol, pintando muros. Eu sabia que aquele trabalho não poderia me dar o que eu ambicionava.

Nessa vida, somos respeitados pelo que temos. Na Terra, ninguém vai te cumprimentar se você estiver sujo ou for um Zé Ninguém. Até as pessoas que são do seu convívio pessoal, fingem que não te conhecem para não passarem por algum constrangimento.

Eu gostava daquela moça da padaria, ela era pobre, tanto quanto eu, mas não saia com um cara que não tivesse carro. Nossa! Eu precisava ter um carro para pensar que era gente?

 

Vida difícil. Cheguei do norte, morava na pensão e trabalhava duro, mas não podia nem sair com a menina porque não tinha aonde cair morto.

A verdade é esta, na Terra você é o que você tem e eu não tinha nada, aí me ofereceram uma grana para roubar carros, sério?

Parecia que estavam ouvindo os meus pensamentos, eu todo revoltado e a oportunidade caia no meu colo. Eu abracei. Não demorou muito pra ela sair comigo, carrão... Ela nem quis saber como foi que eu consegui um carro daqueles.

Como pode ser assim? Num dia eu estava pintando muros e no outro dia apareci com carrão e ela achou mais lógico sair comigo depois da facilidade. Vejam a inversão dos valores: quando eu era trabalhador honesto, pobre e honrado, não servia para ela, mas depois que apareci com carrão ela me quis. Saí com ela e percebi que ela também não era moça honrada, era gananciosa e desonesta.

 

Eu voltei para o norte, desiludido, parecia que a minha motivação tinha se acabado. Se eu tivesse continuado ali, acabava minha vida porque eu nunca ia conseguir me livra deles, então, tive que voltar para minha terra, eu fugi.

Mas, Deus tinha algo bom reservado para mim, eu fui um realista, era pobre, tinha mania de honestidade, estava acostumado com a tinta e com a enxada, tinha que trabalhar para me achar gente, independente do que as pessoas pudessem dizer.

Arrumei trabalho na lavoura e vi uma morena muito linda que me admirou, eu nem acreditei que pudesse nascer algo dali, mas aquela morena foi destinada para mim. Íntegra, trabalhadora e meiga, se tornou minha esposa e me ajudou a criar nossos cinco filhos na maior dificuldade, mas no meio de amor e sinceridade.

Nunca distorcemos a verdade para nossos filhos, sempre procuramos ensinar a retidão moral, apesar de tudo. Nossa família era exemplo de trabalho e dedicação, todos confiavam em nós. Sabe um nome de honra e escrúpulo?

Envelhecemos e depois de muitos anos, meu caçula disse que tinha o maior orgulho de ouvir pela cidade todos dizerem que o filho do seu Pretinho podia comprar aonde desejasse porque tinha no nome da família carta branca, nome limpo, caráter irrepreensível, toda a família era muito honesta.

Eu me lembrei de quando roubei um carro e me arrependi, tive vergonha só de imaginar que meu filho pudesse saber desta história infeliz, por um desvio de minha conduta.

A gente pode cometer erros na vida e compreender a gravidade do erro, se esforçar para não errar mais, se possível, corrigir o que fez e seguir num caminho reto que vai trazer alegria e orgulho para si e todos que estejam por perto. Eu fui feliz.

ZÉ PRETINHO

03/10/20

 

 ----------------Paula Alves-------------------

 

 “QUEM AMA NÃO FERE, NÃO AGRIDE, NEM MESMO CONSTRANGE”

 

Soltaram aquele cachorro e ele me mordeu, do nada. Eu estava indo trabalhar e quase fiquei sem perna. O dono do animal foi muito prestativo, me socorreu e eu recebi atendimento médico de primeira classe, ele foi bondoso e não sabia como se desculpar, me convidou para jantar em sua casa, eu fiquei sem graça de não ir.

Fui e encontrei a família dele, a filha dele era linda demais, eu me encantei.

Minha perna ficou com um grave ferimento, por mais que cuidasse, parecia que não suportaria aquela mordida, nem mesmo conseguia compreender como uma mordida que foi cuidada poderia me trazer tantos problemas. Meu vizinho soube das dificuldades que eu enfrentava e foi me visitar com a filha que estranhamente se preocupou muito comigo. Eu pensei que estivesse apaixonado por ela, por toda a sua beleza e simpatia, mas ela era cismada comigo.

À medida que ela me fazia visitas com o seu pai, nunca sozinha, eu me sentia melhor. Eu nunca acreditei em doenças psicossomáticas, mas parecia que meu estado emocional estava tentando me curar ou me mostrar alguma coisa.

Eu me curei da perna, após longos meses de tratamento, quando ela foi me ver com seu pai disse que seria a última vez, falou que se mudaria e desejava que eu tivesse sucesso na vida. Eu fiquei sem graça, achei que pudesse investir no sentimento, mas tentei esquecê-la.

 

Nunca consegui me envolver com uma mulher, a ponto de ficar estável, ter família, eu fui só e não entendia o motivo de minha solidão, mas depois que desencarnei, velho e entristecido, tive explicações bem razoáveis.

Em outra existência, eu fui apaixonado pela mesma mulher, a filha do meu vizinho, eu tentei cortejá-la, mas ela não me queria e eu a raptei, achei que ela poderia gostar de mim se ficássemos um tempo juntos, eu a mantive acorrentada pela perna, isso ocasionou um ferimento terrível na perna da moça que implorava para que eu a soltasse. Eu fiquei enfurecido porque soube que ela nunca me amaria e quando a segurei tão firme acabei sufocando-a.

 

Não desejei que aquilo tudo acontecesse, eu era idiota, mas não assassino, porém, o amor que eu achava sentir, era apenas desejo de posse, quem ama não fere, não agride, nem mesmo constrange.

O cachorro me deu o ferimento para sentir na pele o mal que produzi, como Talião, eu sofri o mal e me aproximei daquela que foi minha vítima, por isso, ela tinha horror a mim, de forma inconsciente, não queria ficar sozinha comigo. Eu entendi.

Sei que estou bem modificado, não seria capaz de realizar as mesmas atitudes, preferi ficar só do que ter o amor de uma mulher na base da força ou da ameaça, acho que foi, por isso, que minha perna se curou, apesar de tanta dificuldade.

A verdade é que nós sempre somos punidos pelo mal que produzimos, nesta ou em outras existências. Tolo é aquele que acredita que se safou, que ninguém viu ou que será feliz depois de um ato reprovável, seja ele de qual natureza for. Independente se o ato recriminatório foi cometido contra um animal, planta, outra pessoa ou contra você mesmo, fique tranquilo porque sua corrigenda chegará, mesmo que seja na espiritualidade, cercado de seres que te culpam e te cobram, por isso, é sempre mais satisfatório prosseguir no caminho certinho, fazer apenas o que é correto para todos, não ter vergonha de ser chamado de careta ou Caxias. Até porque sempre tem alguém olhando!

PEDRO   

03/10/20  


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