Cartas de Janeiro (16)

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“MULHER DE VERDADE SE RECONHECE POR SEUS OLHARES, SEU EMPENHO EM DIRECIONAR SUA FAMÍLIA”

O arrependimento chegou e fez com que eu me deparasse com uma vida que não tomou o rumo que eu desejava. A gente se deixa guiar pelo comodismo e quando percebe, já perdeu tudo o que era realmente importante.
A gente não lembra o que ficou determinado no mundo espiritual. Traça uma série de acontecimentos necessários para que você se reconcilie com algumas pessoas e também para que possa evoluir, fazendo as escolhas certas, mas quando está encarnado, se deslumbra, se envaidece e esquece de tudo.
Na verdade, se a gente se reconhece do jeito que é de verdade, sabe o que não pode fazer, sabe quais são as limitações e pontos fracos. Eu sabia que tinha uma tendência à traição. Eu fui traidor como homem e renasci mulher com a mesma tendência. Você pode até achar horrível vindo de uma mulher, mas eu digo, e não é para me defender: a traição e a falta de lealdade estão bem ligadas. É tudo fruto do egoísmo, de quem só pensa em satisfazer os seus prazeres e não se preocupa com o sentimento dos outros. Tanto faz ferir dois ou três, tanto faz atingir uma pessoa que é abandonada ou afetar uma família inteira. Tudo muito egoísta porque não pensa em ninguém.

Meu esposo foi cordial, romântico. Um homem diferente da maioria, totalmente preocupado com o bem-estar da família. Eu fui muito inescrupulosa quando me afastei dele. Sabe aquela pessoa que se arruma para chamar a atenção? Eu fui assim. Não era simplesmente para me sentir bem comigo mesma, como cansei de afirmar. Nada disso, era mesmo para atrair os olhares. Eu gostava de ser vista. Adorava chamar a atenção e me sentia triunfando quando chegava num lugar e todos os homens olhavam para mim, para desespero de suas acompanhantes.
Meu esposo era tão confiante. Ele sempre acreditou no que eu dizia, jurando o meu amor de uma forma tão séria que ele se comovia e nunca me pediu para mudar de roupa ou mudar o meu comportamento. Acho que nunca mais vou me relacionar com outra pessoa igual. O fato é que, quando eu saia, parecia até que estava procurando por alguma coisa, até que achei.

No nosso núcleo de amizade, todos consideravam muito meu esposo e por mais que eu fosse aparecida, nunca teriam a coragem de me galantear, mas me tornei muito abusada e me atirei sobre um homem que também era casado.
Hoje eu me envergonho muito do que causei. Ninguém deveria se envolver numa família. Existem muitos homens e mulheres solteiros, bem resolvidos. Ninguém tem necessidade de se intrometer num casamento onde pode comprometer família, cônjuge e filhos sofrendo desnecessariamente por causa de pessoas totalmente egoístas e irresponsáveis.
Eu demorei para entender isso, mas valeu a lição. Nos envolvemos, eu iniciei o romance com sedução e sarcasmo, mas caí nas armadilhas do amor. Eu me apaixonei por ele de uma maneira que nunca achei que fosse possível.
Eu quis me separar, quis estar com ele e só com ele. Fiquei nervosa quando o vi com a esposa tão carinhosa e bela. Eu fiz de tudo para arrumar uma briga com a esposa que nunca desconfiaria de nada se eu não estivesse bêbada e não falasse demais.

Fomos cada qual para sua casa, meu esposo cobrou satisfações e eu falei tudo, disse coisas terríveis que ele não merecia ouvir e, após ter saído de casa e abandonado todos os meus familiares, tentei formar família com meu amante, mas ele me surpreendeu.
Disse que nunca se separaria dela, ela era a mãe de seus filhos, sua companheira e eu era leviana, uma mulher que não tinha como confiar, se eu havia traído meu companheiro de anos, poderia fazer isso com qualquer um.
Ele falou que a mulher de verdade se reconhece por seus olhares, seu empenho em direcionar sua família. Ela pensa nos filhos e no esposo e não em seduzir e conquistar. Eu era egoísta e leviana. Ele nunca trocaria sua estrutura doméstica por uma qualquer como eu.
Eu chorei e percebi que havia trocado tudo por um romance tolo. Eu me iludi e, pensando bem, tudo o que almejei foi destruir a felicidade daquela esposa que parecia tão perfeita.
Ela perdoou e ficou com sua família, enquanto eu fiquei sozinha para sempre. Eles nunca me perdoaram, meus filhos se envergonharam de mim, ficaram do lado do pai e nunca quiseram me visitar, formar um laço afetuoso comigo.

Então, meu amigo, a verdade é que eu me deixei levar por minhas más inclinações. Eu deveria ter me preparado melhor para nunca desviar meu olhar da família. Sempre me comprometer com o bem-estar de meus tutelados e ser o braço forte do meu esposo que tanto me valorizou e saiu tão ofendido e magoado.
Eu ainda estou me perdoando por tudo o que fiz, não os culpo, eles sempre foram muito melhores do que eu, mas espero que um dia possam me perdoar.
MARIA ADELAIDE
25/01/20

-----------------------Paula Alves------------------

“O PRIMEIRO PASSO DE TODO SER HUMANO É SE PERCEBER FALHO”

Eu não quis contar que estava doente. Tudo muda quando as pessoas sabem que você está mal. Eu estava feliz com o casamento da minha filha, com a gravidez da outra, com a promoção do meu mais novo. Eu era feliz com minha esposa, com a aposentadoria e queria aproveitar.
Nós fizemos planos de viajar depois que eu me aposentasse e eu não quis preocupar Patrícia. Ela sempre foi muito atenta com meus exames, mas o câncer era muito invasivo, ele crescia rápido destruindo tudo.
Fruto de meu mau comportamento com pessoas do meu passado, falta de perdão corrói. Eu não quis ficar preso no hospital, eu não quis que eles se desesperassem, estavam tão bem.
Eu tinha algum tempo e poderia aproveitá-lo. Seria uma despedida incrível. Eu fiz planos com o tempo que o médico me deu e disse que não queria me tratar. Havia tratamento, mas era tudo muito debilitante, cirurgia, quimio, eu não quis me destruir com o tratamento, não havia uma porcentagem tão alta que me afirmasse que eu me curaria, então, deixei para lá.
Eu falei com Patrícia, antecipamos a viagem. Eu sentia dores terríveis, mas tentava esconder. Passeamos muito e ela ficou extremamente feliz ao meu lado. Eu nunca vou esquecer, mas de repente, meu corpo não aguentou e deu sinais de colapso.
Eu acho que poderia aguentar mais, porém mostrei que não cuidaria dele (do corpo) e não teve jeito, eu desabei.

Fui socorrido imediatamente, Patrícia soube de tudo, me culpou, sofreu e desejou o tratamento, mas a metástase já havia se instalado e eu sucumbi vendo-a chorar demais.
Quando o dia chegou, eu pensei que apenas fosse me libertar daquele sofrimento, pelo contrário, foi ainda pior.
Eu recusei os recursos disponíveis para me tratar, eu me suicidei porque não fiz esforços para continuar vivendo e foi pior ainda porque eu fiz tudo isso pensando, apenas em me divertir.

Os fins não justificam os meios? Tudo depende da intenção. Eu trabalhei a vida toda, quase não tive tempo para a minha família porque estava preocupado em ter uma estrutura material que nos deixasse viver em paz, então, quando conquistei tudo o que achava que devia ter, casas, carros, dinheiro guardado, aposentadoria, meus filhos formados e com base familiar, eu resolvi viver e estava doente, mas preferi curtir do que me cuidar.
Eu fui punido por minha leviandade. Fui arremessado para o vale, sofri em meio as paranoias dos delírios, vi tantos sofredores como eu, tantos zumbis que choram e reclamam sem ter solução para nada.

Parecia não ter saída. Era o inferno dos que erraram demais, mas eu chorei do fundo do coração, eu pedi e fui socorrido.
Isso mostra o quanto Deus é soberanamente justo e bom, Pai de imensa misericórdia. Permite que se aprenda a lição e recomece para provar a gratidão e a dignidade, a honra e a sensatez.
Eu quero acertar. Existe tanto a fazer. O primeiro passo de todo ser humano é se perceber falho. Seria fazer uma justa análise de tudo o que está fazendo para tentar corrigir. Acho que se eu tivesse feito isso, teria evitado muito sofrimento. O principal objetivo não é acumular bens e viver a felicidade da matéria, mas se cuidar para se enobrecer, cuidar dos seus para que eles compreendam as questões valiosas da vida e produzir atos bondosos que gerem frutos, ou seja, outros atos bondosos na sociedade, esta é a verdadeira riqueza e é por intermédio dela que podemos alcançar a felicidade permitida na Terra. 
CHARLES
25/01/20

---------------------------------------------Paula Alves--------------------------------------

“EU DEVERIA PARAR DE CONTEMPLAR O ERRO DA MAIORIA E ME INCLUIR NA MINORIA QUE FAZ PELO TODO”


Eu queria que todos tivessem direito à educação. Eu via aqueles meninos e meninas jogados na rua e queria que pudessem ler. Como seria se eles descobrissem a aventura de um bom livro ou o esplendor de um museu?
Eu queria que todos tivessem acesso ao conhecimento e que as questões infindáveis da vida pudessem se descortinar para cada um de nós.
Mas, eu era apenas uma professora que mal dava conta de pagar o aluguel.
Eu me deparei com uma série de analfabetos de todas as idades que não sabia nem falar, muito menos escrever palavras simples, eu fiquei amedrontada.
Como eles podiam fazer escolhas políticas ou sociais se, nem mesmo, sabiam escrever o próprio nome?

Queria que tivessem acesso a cultura, que pudessem se emocionar com um filme de romance ou com uma ópera, mas nas melodias das músicas populares, eles nem percebiam o atentado ao pudor e o incentivo à delinquência.
Foram tantos absurdos que vi, pensei que não pudesse ser mãe depois disso. Achei que só eu estava vendo o mundo daquela forma, eu me senti castrada. De mãos e pés atados, minha racionalidade se desesperou. Eu vi a pobreza intelectual com a perspectiva do fracasso.

As pessoas se vendem por tão pouco e se deixam levar pelo fanatismo, sensualismo e hipocrisia. A vulgaridade que toma conta de um povo que se deixa levar pelo carnaval em meio as tempestivas revoltas sociais. Guerras internas intermináveis, a fome e o abuso do poder. Tudo chocava minha razão e faziam com que meus sentimentos pedissem para que todos pudessem ver tanto quanto eu.

Eu me sentei na Praça da Sé. Era só mais uma com fome, sem saber para onde ir. Parecia que eu pensava sem sair do meu lugar, na inércia, clamando por explicações vindas do Alto. Então, um senhor se sentou diante de mim. Ele era distinto e culto, fiquei constrangida do seu saber, mas fiquei contente de poder conhecê-lo.
Ele simplesmente falou que, se todos trabalhassem como formigas, nós teríamos tudo o que precisamos diante de nós. Ao invés, de reclamar as pessoas têm que desempenhar o seu papel. Cada um deve fazer, apenas o que lhe compete, sem julgar o outro, apontar o outro ou ofender o outro porque isso distrai. Se as pessoas ficassem num caminho de retidão e se comprometessem com o seu objetivo nobre, também dariam as mãos e nunca desapontariam aqueles que mostram um serviço sério, honesto. Existem muitos precisando de ajuda, muitos que já perceberam o mesmo que eu havia percebido. Alguns que estavam sendo tocados e poderiam fazer muito, um pouco de cada vez.
Eu ouvi atentamente. Adorei a explanação dele, tentei digerir e me comprometi a colocar em prática. Ele estava certo, eu poderia fazer o que estava ao meu alcance para ajudar e parar de reclamar na minha inércia. Eu deveria parar de contemplar o erro da maioria e me incluir na minoria que faz pelo todo.

Eu respirei profundamente e quando abri meus olhos, ele não estava mais lá. Só percebi que era meu mentor quando cheguei aqui (risos).
Daquele dia em diante, comecei a dar aulas de graça por todos os lados. Eu tinha o meu trabalho com honorários e também me dispunha a lecionar para quem se interessava. Eu dava aulas de diversos assuntos e me apaixonei por minha atuação. Continuei com este trabalho depois de aposentada, nas igrejas, praças e diversos locais onde era aceita. Foram muitos que leram e se informaram com meu auxilio.
Estou me preparando para trabalhar num local religioso na área de ensino. Eu amo ensinar. Sou muito grata pelas orientações que recebi porque mudaram minha vida. E você, não tem coisas importantes para realizar hoje?
CRISTIANE
25/01/20

------------------Paula Alves---------------

“A VIDA NOS FORNECE SEMPRE SITUAÇÕES PARA QUE POSSAMOS DESPERTAR A CONSCIÊNCIA E REPARAR COM ATOS DE BONDADE”

Eu só ficava naquele emprego porque precisava do dinheiro, mas falar que eu gostava? Quem é que gosta de limpar alguém que já está velho e mal humorado?
No início, eu tentei ser atenciosa e educada, mas cheguei naquela casa onde todos eram pretenciosos e superiores. Os filhos do meu patrão gostavam de deixar bem claro quem manda e quem tem. Eles me menosprezavam e tratavam como inferior, como uma empregada. Eu me irritei bastante no começo.
Sempre acreditei que devemos tratar a todos com cordialidade. Tratar as pessoas como desejamos ser tratados. Somos diferentes em muitos aspectos, mas não era por isso que deviam me tratar mal, me ignorar e humilhar.


Minha mãe dizia que as pessoas só nos humilham se permitimos, mas eu me sentia humilhada sim. Eu trabalhei todos os dias sem a menor vontade, apenas pela necessidade financeira. Eu me sentia mal naquela casa e, se tivesse outra alternativa, teria me demitido, eu não suportava estar ali.
O patrão, o dono da casa, estava acamado, mas ele ainda conseguia esbravejar, dar ordens e gritos para todos os lados, humilhações verbalizadas que deixavam qualquer um a ponto de explodir de raiva.
Muitos diziam que devíamos ter paciência por causa de sua situação de saúde, mas outros diziam que aquilo era castigo por causa da ruindade do velho.

Sei lá, eu que era a enfermeira fazia de conta que não me atingia e ia levando. Ouvi insultos, ouvi piadinhas e até fui assediada por ele, mas fingi que não entendi para conservar meu emprego.
As pessoas deviam se colocar no lugar do outro e respeitar o trabalho dos demais. Respeitar o trabalho digno que gera o pão para as famílias. Ninguém devia pensar em se colocar na frente da fonte de renda de cada um.
Mas, aquele homem foi piorando, tanto em relação à saúde quanto em espécie de humor. Foi ficando insuportável o insulto dele. Eu fiquei com vontade de agredi-lo. Se eu tivesse feito isso poderiam dizer que era uma covardia agredir um velho acamado, mas o que será que gerou a agressão? Você acha que nada justifica? Será? O assédio moral é grave, mas quando chega a passar mão, o sangue sobe.

Eu achei que fosse conseguir pedir demissão, mas meus familiares precisavam da minha renda e eu tive que aguentar.
Foram dois anos intermináveis até que ele morreu. Logo depois, me indicaram para uma senhora que era uma princesa em forma de gente. Uma delicadeza em pessoa. Eu pensei que tinha passado por coisa ruim para que Deus pudesse me beneficiar com aquela criaturinha tão amável que parecia um membro da minha família.
Quando eu cheguei aqui tive provas que cada um tem o paciente que merece. Eu estava comprometida com aquele velho há muito tempo. Foram tantas vidas em que estivemos ligados realizando trabalhos ruins, várias formas inescrupulosas de ganhar dinheiro. Molestamos, desviamos, matamos, como sócios, como capataz e senhor de escravos, como cônjuges, irmãos. Houve traição e revolta, até que apareceu esta oportunidade de reparar com os cuidados da saúde.

Eu precisava mostrar a ele que existe um jeito nobre de ganhar o sustento. Precisava mostrar a ele que podemos ser úteis. Ele foi grato a mim. No finalzinho, antes de morrer parece que me reconheceu. Eu estava ao seu lado, segurando a sua mão para não se sentir desamparado e ele me chamou de um nome confuso, nome de homem. Ele soube me reconhecer, parece que reavivou a memória naquele instante, antes de partir. Ele me pediu perdão, eu o perdoei com sinceridade e senti que tudo tivesse que ser tão dolorido entre nós.
É impressionante como a vida nos fornece sempre situações para que possamos despertar a consciência e reparar com atos de bondade.
SIMONE
25/01/20
 ---------------------------Paula Alves--------------------
Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“ACHO QUE, SE PUDÉSSEMOS SALVAR A NÓS MESMOS, JÁ SERIA UM BOM COMEÇO”


Foi muito difícil chegar aqui. Os meus sentimentos me levaram para um mundo que eu não sabia que existia. Declarei meu amor e jurei ser um bom marido, desejei ser bom pai. Eu sempre pensei que toda mulher quisesse encontrar um homem que a amasse para viver uma vida tranquila, formar família, mas acho que fui romântico demais.

Eu sonhei uma vida que não era ambição dela. Eu a pedi em casamento e me frustrei tanto quando ela recusou, meu mundo caiu. Eu não estava pronto para o rompimento. Acreditei que tivéssemos coisas em comum e que, em breve tempo, estaríamos com um filhinho nos braços. Ela me disse que não era isso o que desejava viver naquele momento. Ela disse que, nem mesmo, tinha certeza de seus reais sentimentos por mim e eu a amava. Ela me confessou que havia se interessado por outro e queria romper. Tive ímpetos de matá-la. Eu a respeitei como noiva, como minha futura esposa, fiz tudo para honrá-la e o que foi que eu ganhei?

Tomei ódio pelo mundo, profundamente magoado e arruinado pelo orgulho ferido. Pensei diversas vezes, que os planos de Deus devem ser bem óbvios, mas somos muito pretenciosos para descobri-los. Acreditei, olhando ao derredor, que muitas pessoas seriam mais felizes vivendo sem tantas ambições. Cada mulher se esforçando para ser boa esposa, mãe, filha. Cada homem se esforçando para ser bom esposo, pai, filho, irmão. Cada um de nós deve ter algo a cumprir, alguma coisa para realizar, mas não necessariamente salvar o mundo como nos filmes de ficção. Acho que, se pudéssemos salvar a nós mesmos, já seria um bom começo.

Eu observava dentro de minha angustiante inércia, o quanto as pessoas se superiorizam, se superestimam e acreditam que devem ser tão importantes numa sociedade onde cada um, só enxerga o próprio umbigo. Mães que abandonam a dádiva da criação para serem excelentes profissionais, tão pretenciosas e vaidosas, tão sofisticadas e secas.
Pais que abandonam os lares com crianças que esgoelam de fome para se satisfazerem na luxúria de corpos esculturais. Tantos que se entregam ao vício para não pensarem de forma relevante. Entorpecem o cérebro para não pensarem no amanhã. Irresponsabilidade com esquecimento providencial de tudo o que é realmente importante na face da Terra.

Outros tantos vão para a criminalidade, desde os pés de chinelo até os colarinhos brancos, por falta de ânimo de pegar no batente, preguiça com falta de caráter. São inúmeras justificativas, vale tudo no mundo onde tudo pode ser. Eu critiquei tanto, observei inerte e me cansei de não fazer nada. Me cansei de ser como todos os outros. Me vi atolado de indignação, sufocado no meu próprio amargor. Então, notei que as coisas acontecem por uma razão de ser. As pessoas não podem ser caracterizadas por um único ser. O erro de um não pode condenar a maioria.

Aí me dei conta que tudo acontece com a permissão de Deus. Eu me aludi, mas não existe uma só mulher, eu ainda podia me entregar ao amor. Eu poderia assumir meu desejo de ser um homem de família. Me reergui, na esperança de atingir meu objetivo tão simples, tão diferente do habitual. Eu me reergui sem uso de entorpecentes, sem mentiras ou violência que arruinasse minha vida. Eu tive ao meu lado abnegado amigo que me inspirou e esclareceu que a vida sempre continua. Eu podia ter o meu final feliz e segui em frente com um novo modo de pensar e enxergar minha vida. Foi melhor o rompimento, antes de chegarmos no altar, muito melhor.

Voltei para a faculdade, mudei de emprego e após dois meses, resolvi passear num parque onde o sol brilhava iluminando um rosto em especial. Tudo me levava para ela, quando me aproximei parecia que estava reencontrando um ente querido. Ela se tornou minha esposa dois anos depois.

Ester acrescentou em mim, as maiores qualidades que me trouxe para cá. Foi um anjo em minha vida. A companheira ideal, parceira e amiga. Com ela eu tive a certeza de que nasci, nesta existência, apenas para ser bom esposo e pai. Graças a ela pude cumprir meu compromisso e estou aqui.
As pessoas devem sentir o que necessitam fazer e não se iludirem por questões supérfluas da vida. Enxergarem-se como realmente são. A justa medida de si mesmo é imprescindível para alcançar a paz. CASÉ
18/01/20

---------------------------Paula Alves--------------------

“ESTOU PENSANDO QUE A GENTE NUNCA CONHECE NINGUÉM DE VERDADE”

Eu bati, bati e bati, quase matei. Quando olhei para ela, fiquei transtornado. Eu sabia que havia agido errado ou melhor, foi imperdoável o que fiz. Naquela época, não aconteceria nada comigo. Eu não seria preso, tampouco ofendido, ainda mais se soubessem o motivo que me fez agredir minha esposa.

Ela confessou sua traição!
Eu fui tomado de um ódio que me transformou. Virei um louco. Você devia ter visto a cara dela, o despeito. Depois de quinze anos. Eu fui um marido tradicional, como tantos outros, não havia trocas de carinho. Não tinha aquelas coisas que ouvimos falar hoje em dia. A mulher tinha obrigações no lar e o marido também. Machismo? Pode ser. Eu não queria estar na pele delas. Era trabalho no lar e com as crianças que eram responsabilidade das mães.

Os homens podiam quase tudo, inclusive relacionamentos fora do casamento, nada escrachado, mas todos tinham suas concubinas, suas diversões. O marido sempre voltava para casa, a esposa tinha sempre o marido na sua cama. Eu nunca passei uma noite fora de casa e nunca tive ninguém correndo atrás de mim, fazendo passar vergonha, importunando minha esposa.

Eu sabia que ela queria estudar, mas pra quê? Não ia trabalhar fora, nem tinha livro que servisse para elas, o melhor era ficar como sempre foi, o marido cuidando de tudo, mas ela aprendeu com um rapaz que fazia serviços para mim. Aprendeu a ler um pouco, o suficiente para mandar carta, carta de amor. Flertando nas minhas barbas, no meu teto.
Quando descobri, ela já estava cobra criada. Me ofendeu, falou de virilidade e de prazer de mulher, fiquei maluco.
Onde já se viu uma mulher falando deste jeito? Mãe dos meus filhos. Não podia ser. Eu não a reconheci. Estou pensando que a gente nunca conhece ninguém de verdade. A gente acha que conhece, a gente imagina que todo mundo pensa como a gente, mas não sabe se pode levar uma punhalada pelas costas.

Isso pode acontecer com qualquer um, se surpreender com alguém te rebaixando e dizendo que você não vale nada para ela, mas o que não pode é você perder a cabeça e partir para cima. Eu arruinei o rosto dela e quando acabei, ela respirava com dificuldade, eu desejei voltar no tempo para que nunca tivéssemos nos conhecido. Eu desejei ter vivido uma outra vida. Queria que estas lembranças sumissem da minha cabeça porque não importa o tempo que passe, eu sou muito violento.

Ela quis ir embora e se lembrou de como uma mulher separada era tratada por toda a sociedade. Ela chorou e disse que isso nunca poderia ter acontecido, falou que eu estraguei tudo.

Quem era mais errado? Dá para saber quem errou mais? História horrível de traição e agressão.

Eu pensei em me matar porque, assim poderia me esquecer de tudo o que ouvi dela. Eu era o homem que fui ensinado a ser, machista, controlador, machão. Eu só sabia ser assim. Esperava que minha esposa fosse leal e boa mãe, mas ela me traiu e eu não podia aguentar a traição dela. Eu não queria que ela fosse apontada, que falassem de nós, então me enforquei. Mas, foram muitos séculos de tormento e dor. Eu dentro daquela casa, vendo tudo o que ela fazia no nosso quarto. A pessoa é como é. Ela sempre foi leviana e eu sofri.
Me arrependo muito com tudo o que houve entre nós. Eu ainda tenho vergonha de falar da nossa história. Agora teremos outra chance. Novamente um casal. Será que ela vai me aceitar?
JOSIVALDO
18/01/20

------------------Paula Alves--------------------

“ALGUMAS NASCEM PARA SER PRINCESAS, A MAIORIA NÃO”

Eu me casei novinha. Casamento que meu pai arrumou. Era tudo bem difícil na nossa casa e eu não podia discordar do pai. Meu marido era mais velho. Não tinha muita conversa com ele. Eu fui levando minha vida sem alegrias, só tarefas do lar, respeito e obrigação. Logo, vieram os filhos e mais trabalho. Aprendi a gostar dele, vendo as qualidades que ele apresentava. Tinha defeitos, mas isso, todo mundo tem.

Quando eu via o jeito que ele tratava os filhos e o quanto ele trabalhava para não faltar nada para a gente. Quando eu via ele me olhando de longe, nem sabia sorrir, mas cumprimentava com a cabeça, era o jeito de fazer carinho. Quando eu via a integridade dele por toda parte e o quanto era educado e direito com todo mundo, eu sabia que ele tinha o seu valor.

Aí me entreguei para minha vida. Toda mulher tem o direito de sonhar. Às vezes, a gente sonha tão alto, acha que é princesa, que é tão linda e sonha. Acha que um dia vai ganhar o mundo, vai ter tudo o que deseja, mas não acontece fácil assim para todas nós. Algumas nascem para ser princesas, a maioria não.

Com a maioria a vida é simples, cheia de percalços, dificuldades de todos os tipos e provação, dor e sofrimento. Eu nem podia me queixar. Era o trabalho de todo dia. Eu aprendi a não pedir muito da vida. Viver um dia de cada vez. A vida de novela não foi feita para sonhar, é só para passar o tempo entre um afazer e outro.

O tempo passou, eu envelheci, ele também e minha provação chegou, depois de tanto filho e neto, ele adoeceu. Ele era o primeiro a falar, o único a dar a opinião. Quando falava ninguém nem queria olhar nos olhos, era respeito pelo pai. Eu nunca ousei contrariar, aprendi assim, mas ele caiu. O pai estava doente e eu tinha que assumir a liderança. Eu tinha que decidir o que seria feito.

Daí meu filho mais novo achou que poderia se rebelar. Falou que agora era hora de eu viver minha vida. Ele achava que eu não tinha que ser obrigada a cuidar dele na cama depois de anos vivendo uma ditadura dentro de casa. Ele falou que iam colocar o pai num asilo e eu ia poder viver em paz, pelo menos na velhice.

Meu marido estava ouvindo tudo sem poder falar, paralítico na cama, ele olhava querendo chorar e eu percebi. Eu peguei a mão dele e levantei a cabeça pela primeira vez.

Falei que a gente quando casa, sabe que vai ter uma vida em comum. A gente sabe que não vai ser uma vida só de flores e sabe que tem um papel para assumir. A mulher tem que saber ser esposa, muitas vezes, para ter paz no lar, a esposa, a mãe tem que fazer o que não quer e o que não gosta. Muitas vezes tem que deixar de lado o cansaço, o sono e até a doença para fazer por todo mundo para que a família siga forte, firme. O marido também tem tudo isso na vida dele. Nem sempre pode sorrir e fazer piada porque a vida da família é coisa muito séria. Falei que o meu marido, eu aprendi a conhecer com o tempo e aprendi a respeitar, a amar do jeito dele.
Eu estava muito agradecida pela família que Deus me deu e eu ia cuidar dela até o final para que ela não se arruinasse.

O meu esposo precisava de cuidados, de atenção e todos fariam das tripas coração para que ele se recuperasse. Todos! Meus filhos ficaram de boca aberta, meu marido chorava tanto. Acho que eles não entenderam por que eu nunca havia falado nada. Na verdade, eu nunca precisei assumir posição nenhuma porque meu marido sempre cuidou de tudo, mas quando eu precisei cuidar dele, nos revelamos nobres companheiros.
JERUSA
18/01/20

----------------------------------------Paula Alves-------------------------------------

“FAMÍLIA REQUER SACRIFÍCIO E ABNEGAÇÃO”

Eu soube da traição, eu soube do filho. E eu me senti ofendida, me senti menosprezada. Eu chorei, procurei não falar nada, eu precisava pensar. Pensar em mim, no meu filho e na nossa situação. Eu precisava decidir se conseguiria dormir com ele, sabendo que ele dormiu com ela. Eu a conhecia e achava aquela mulher linda, comunicativa, bem-humorada. Eu tive raiva, me senti feia, humilhada. Todos sabiam, menos eu.

Como ele havia conseguido esconder por tanto tempo? Eu não notei nada. Nem sei como ele teve tempo de se encontrar com ela e fazer um filho e estar com eles em tantos lugares. Os meninos estudavam na mesma escola. Tinham quase a mesma idade, um absurdo.

Eu não queria sentir vergonha, medo, indignação, orgulho ou egoísmo porque eu só pensava em mim. Eu não consegui pensar em como ela se sentia ou em como o filho dela se sentia porque eu era a esposa, eu sempre tive privilégios.
Mas, eu pensei nos motivos dele. Eu pensei no por quê as pessoas traem.

O que leva a pessoa a se encantar com outra pessoa?
Quando acontece o primeiro olhar para longe de você?
Quando seu marido começa a desejar outras mulheres? Por quê?

As justificativas de que a esposa tem algum defeito físico ou moral não me faziam apoiar a covardia dele. Covardia sim porque ele fez tudo pelas minhas costas. Quem trai não dá o direito de defesa à outra pessoa. Quem trai fere a moral, a integridade moral do companheiro. Isso pode deixar sequelas por tempo indeterminado. Isso porque a gente não confia em mais ninguém. Fica paranoico. Tem mania de perseguição, se sente submisso e inferior. Falta confiança e a autoestima chega no pé.
Mas, eu pensei se valia a pena lutar por ele ou se seria melhor entregar ele para ela porque, se ele saísse de casa, fatalmente iria para a casa de minha concorrente. Eu raciocinei, pensei no meu filho, pensei na minha situação financeira e no asco que eu teria para dormir com ele pensando no que eles faziam, em como se comportavam pelas minhas costas.

Eu vi que o perdão foge ao raciocínio. Não era uma questão de aceitação do perdão, de compreensão, de saber que é possível se envolver com outra pessoa fora do casamento ou de amar mais do que uma, como ele mesmo me falou.
Disse que amava as duas, pode?
O perdão não é instantâneo, nem racional. Eu precisava de tempo para perdoar e não queria mais um homem que teve bastante tempo para escolher, mas preferiu se acomodar na satisfação de ter duas esposas. Eu olhei para mim e preferi tentar sozinha. Eu tinha receio, eu tinha pavor de me imaginar vivendo sozinha com meu filho. Eu sempre falei que, se estava ruim com ele, estaria pior sem ele, mas eu não imaginei que ele era mentiroso e desleal.
Eu não queria perder meu companheiro, mas me dei conta de que estava sendo usada, nada era real na minha casa. Eu tomei coragem e fiz as malas dele afirmando que ele tinha para onde ir, já eu, precisava daquela casa para recomeçar sozinha cuidando com dignidade do meu filho.

Ele foi embora e resolveu ficar com ela. Eu nunca mais me casei. Foi tudo bem complicado, arrumei um emprego muito bom, mas sempre tive dificuldades para me organizar nas reuniões de escola, com tempo para cuidar do meu menino, faltava dinheiro, não tinha com quem contar. Depois que ele saiu de casa, acabou assumindo a outra família de forma integral e praticamente se esqueceu do nosso filho. Largou a esposa e o filho também.
Tive muitos anos para refletir sobre tudo o que nos aconteceu e ainda preciso de terapia para aprender a perdoar, veja você. Eu estou querendo prosseguir, me encontro aqui relembrando situações que ainda me comovem. Eu o culpo por tudo. Eu não estava preparada. Eu queria ter sido feliz na nossa casa, com a nossa família.

Não aceito o plano de me casar novamente, com ninguém. Eu acho que é muito sofrimento e responsabilidade. Eu acho que existem muitas maneiras de adquirir o que necessito para evoluir. Não preciso me envolver maritalmente com ninguém.

Compreendo por que, hoje em dia, as pessoas não querem compromisso. Ainda somos muito egoístas para nos envolvermos com seriedade. Muito egoístas para observar as necessidades das outras pessoas. Família requer sacrifício e abnegação. Se esquecer das suas necessidades e prazeres pelo bem de quem está ao seu lado.
Quem faz isso?
LUCRÉCIA
18/01/20

 --------------------------Paula Alves------------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“VIVER DE APARÊNCIAS OU VIVER DESEJANDO O QUE NÃO SE POSSUI É DOENÇA”

O desejo de possuir é doença. Começa como necessidade e, se não tem discernimento, vira compulsão. Eu tinha necessidade de possuir o que eu queria, mas eu não era rica. Eu tinha que trabalhar para me manter e para ajudar meu marido a manter nossa estrutura doméstica, mas eu não podia ver nada.
Eu saia para um passeio e achava que tinha que levar a casa nas costas, se eu chegasse no lugar e faltasse alguma coisa, por mais supérfluo que fosse, já era motivo de ir às compras. Achava tudo tão necessário, depois chegava em casa me perguntando por que tinha gasto dinheiro com aquilo, eu nunca usava.
Meu esposo chegou a me questionar muitas vezes, por que disto ou daquilo e, por diversas vezes, eu me envergonhei porque tirava o dinheiro de alguma conta importante para gastar com bobagens. Eu via minhas amigas com algo bom e belo e já desejava, no outro dia, revirava a cidade até encontrar, gastava o que não tinha e depois chorava, chorava porque percebi que estava fora de controle.
Doença, compulsão. Foi indo, meu esposo se cansou, falou que eu era invejosa e desequilibrada. Ele pensou que eu não me importava com as diversas horas extras que eram feitas para colocar nosso orçamento em ordem. Ele dizia que faltava colaboração e responsabilidade da minha parte. Eu me sentia mal, mas não era fácil controlar. Eu expliquei a ele e prometi melhorar, mas me senti muito deprimida e desejei comprar alguma coisa para ficar feliz. Loucura? Pode ser mesmo. Naquele dia, eu comprei uma geladeira novinha sem a menor necessidade. Quando a geladeira entrou por uma porta, meu esposo saiu pela outra. Ele justificou que não ia se afundar em dívidas por minha causa.
Eu não parei porque ele foi embora, pelo contrário, aí é que me atolei mais ainda. Meus filhos me pediam para devolver as coisas que chegavam em casa. Eu fui muito compulsiva e acumuladora. Roupas que não cabiam no armário, louças, sapatos, eletrodomésticos, tudo o que puder imaginar, do menor ao maior valor.
Eu me endividei tanto que meus filhos resolveram vender tudo para pagar as dívidas. Eu enlouqueci, eram as minhas coisas, como podiam fazer isso? Eu me agarrei nelas, chorei e implorei, disse que usaria tudo, mas não teve jeito, daí tentei dar um susto neles, corri para o quarto para me trancar e fazer escândalos, mas tropecei e bati a cabeça na quina da cama. Senti tudo rodar, achei que tinha desmaiado, mas fiquei perambulando por aí por mais de vinte anos.
Que vida terrível! Eu fui tão apegada. Tão miserável porque poderia ter colaborado com meus familiares, ter sido uma esposa parceira e batalhadora, mas fui egoísta.
Nunca ajudei ninguém com meus excessos, apenas causei desespero e preocupações. Hoje compreendo o porquê devemos nos esforçar para ter uma vida mais simples e modesta. Não é balela religiosa não. A vida mais simples faz você valorizar tudo o que tem. Você sentir prazer de estar com quem você gosta pelo que são, independente do que tem ou no que podem te beneficiar. Deixar os bens de lado e apreciar as coisas lindas da vida e os bons momentos que são únicos. Viver de aparências ou viver desejando o que não se possui é doença. Você não consegue sentir amor, gratidão ou indulgência por ninguém, nem por você mesmo. Isso porque está prestando atenção, apenas nas coisas.
Está muito difícil pra mim. Voltar a me socializar. Observar a natureza e valorizar minha vida aqui neste local. Eu sou muito agradecida por terem me acolhido porque eu percebo o quanto sou uma pessoa complicada. Será que eu tinha que ter procurado tratamento, enquanto estava encarnada?
CLISEIDE
11/01/20

--------------------------Paula Alves--------------------------

“PERDI MEU TEMPO NA INVEJA. DESEJANDO TER A VIDA DO VIZINHO PARA MIM”

Tanta raiva de ver o que aquele homem tinha e eu não. Ele morava na frente da minha casa e tinha tudo, os melhores carros, a casa mais bonita da rua, até a mulher dele era mais bonita e mais culta. Ele tinha filhos educados e bons estudantes. Tinham estabilidade financeira. Faziam boas viagens e eram reconhecidos na sociedade por serem bons e valorosos, eram caridosos.

Eu morria de raiva. Minha vida estava desmoronando, parecia que nada dava certo e aquele sujeito ainda queria me dar lição de moral na frente dos outros vizinhos. Eu fugia dele, me esforçava para nem cruzar no seu caminho. Cheguei a imaginar várias vezes, vivendo a vida dele. Morando naquela casa, convivendo com seus familiares como se fossem minha própria família. Eu nem podia reclamar porque minha esposa era honesta comigo, leal e muito trabalhadora. A coitada não exigia nada de mim, tudo o que ela almejava, se esforçava para conseguir com seu trabalho digno. Meus filhos eram amorosos, mas tinham dificuldades em arrumar empregos melhores, porém nunca esmoreceram, estavam sempre fazendo pequenos serviços que pagavam cursos e eles eram incentivados pela mãe que dizia, como que para me educar, que cada um tem a sua vida, não deve olhar para a vida dos outros e ficar se comparando.

Eu morria de raiva. Eu olhava para a vida do vizinho e me indignava porque eu nunca fui acomodado. Eu levantava bem cedo, me esforçava para ser um bom funcionário, mas nunca conseguia promoção. Eu sempre me dava mal, sei lá por que. Aí foi me batendo uma revolta da vida injusta. Eu sempre me esforçava e não merecia ter as coisas boas?
Por que o bom tinha que ser sempre dele?
De repente, você me diz que eu fui ingrato? Você deixa, eu reclamar à vontade e me diz que ingratidão agrava a pena. Que história é essa?

Eu me lembro sim das diversas vezes que precisei enfrentar situações e reclamei sempre. Eu achava que, se Deus me amava, Ele deveria facilitar minha vida, Ele não deveria gostar de ver um filho sofrendo como eu. Eu precisei entender que todo mundo tem a vida certa para se elevar, a partir de esforços e trabalho sério. Se um é diferente do outro por que deveriam ter as mesmas vidas, os mesmos caminhos ou oportunidades?

Todas as vezes que eu reclamei da minha vida, vinha mais dificuldade?
Porque eu estava sendo ofensivo com Deus? Eu estava, indiretamente, discordando com o que Ele traçou para mim?
Eu não estava tentando ofender a Deus. Eu fui invejoso. Eu fui um covarde, perdi tempo querendo o que era dele e nem me importei com o meu plano. Nossa! Ficou tudo para trás. Tanto trabalho para colocar todos juntos na mesma casa e eu nem fiz nada por eles.

Perdi meu tempo na inveja. Desejando ter a vida do vizinho para mim. Eu tinha que ter ajudado mais os meus familiares e não fiz nada por eles. Engraçado! Depois que eu faleci, parece que tudo deu certo para eles. Minha esposa vendeu a casa, comprou outra menor perto da faculdade. Eles se esforçaram tanto, estudaram e conseguiram empregos excelentes. Estão todos bem. Estão seguindo o plano sem mim. Só eu fracassei, eles tiveram outras possibilidades sem o estorvo aqui. ANAILTON
11/01/20

----------------------------Paula Alves--------------------------

“EU DESEJEI SER DIFERENTE. EU PRECISAVA MUDAR”

Eu não queria ser daquele jeito. Sofri muito minha vida toda quando me apontavam dizendo que eu era feia. Eu chorei muito quando os familiares faziam brincadeiras e eu servia de chacota para todos. Na escola foi ainda pior, eu não conseguia encontrar amigos porque todos temiam estar ao meu lado, eu era estranha, pavorosa.

Mas, eu cresci e não conseguia olhar nos olhos das pessoas, isso dificultou para me inserir no mercado de trabalho. Meus pais reclamavam de mim e me comparavam com minhas irmãs que, para meu desespero, eram lindas. Nem parecia que eu era daquela família.

Eu desejei ser diferente. Eu precisava mudar: ficar mais magra, mais loira, mais alta, com o nariz mais fino e os lábios mais grossos, então, coloquei isso como um ideal. Consegui um emprego como camareira e conheci uma artista que riu muito quando me viu, eu não aguentei segurar o choro e desabei.  Ela teve pena de mim e me convidou para trabalhar em sua casa. Esta mulher me incentivou a usar todos os recursos que eu tinha para mudar o meu visual, ela me ajudou e eu tive acesso a cirurgias e tratamentos que foram me modificando. Eu levei quinze anos para ficar com a aparência que eu desejava. Eu me olhei no espelho, depois disso, e me senti feliz, mas foi estranho porque a felicidade durou apenas alguns instantes, depois eu me deprimi tanto que nem mesmo consegui compreender o que se passava comigo. Só entendi quando cheguei aqui.

Eu fiquei irreconhecível, as pessoas nem mesmo, sabiam lidar comigo, era como se não me conhecessem realmente. Eu levei uma vida buscando por aparências e não tive nada real, nem um afeto, família, amigos sinceros, nada. Uma vida que passou sem nada importante ou motivações. Um objetivo que não me levou a parte alguma.

Quando cheguei aqui me explicaram que cada um de nós recebe, junto com o plano, o corpo que é ideal para concretizá-lo. O feio tem sua razão de ser, o bonito também tem. O rico tem provas importantes, o pobre também tem. Cada um de nós recebe uma tarefa importante para realizar, sempre voltada para o bem de si mesmo ou dos outros, mas nunca está vinculado com o egoísmo, orgulho ou vaidade. Sempre é para nos encaminhar ao progresso e enobrecimento.

Eu me concentrei na beleza e deixei meu plano de lado. Eu deveria me envolver com um homem que também não tinha qualidades físicas, mas estava profundamente ligado às obras sociais. Nós deveríamos cuidar de muitas crianças, inclusive adotando várias. Eu deixei tudo de lado porque me melindrei com a forma maldosa como me trataram na infância.

Nós devemos ser ensinados a nos valorizarmos pelo que temos na nossa essência. Valorizar os bons sentimentos, a intelectualidade e o esforço. As crianças não devem ser estimuladas a competir, mas a se superarem nas pequenas e, depois, nas grandes tarefas. Foi bom saber da verdade. Eu me arrependo sim, mas vou me esforçar para fazer bonito na próxima. Com fé e coragem.
LARA
11/01/20

--------------------------Paula Alves-----------------------

“EU VIVI DE APARÊNCIAS E OSTENTAÇÕES”

Ela foi a melhor amiga que eu já tive. Me arrependo muito de tê-la feito sofrer tanto. É ruim quando nós olhamos a história da nossa vida e vemos que fomos o ser cruel, a pessoa má. Eu nunca desejei ser a vilã, mas fui mais do que isso. Eu a traí, enquanto ela sempre foi boa para mim.

Se eu pudesse voltaria atrás dos meus deslizes, mas agora é tarde demais. Quando Sara conheceu Afonso, foi um amor lindo. Ela me contou de sua alegria quando ele disse que também gostava dela. Ele morava na capital, era filho do amigo do pai dela. Parecia até que estavam prometidos, todos gostaram de pensar que eles pudessem se casar. Eu achei aquela conversa de romance meio tediosa, mas ouvi várias vezes ela me contar tim-tim por tim-tim tudo o que se passara. Eles se correspondiam por cartas e prometiam amor eterno. Eu achava cafona demais.

A vontade de se ver foi tamanha que o rapaz foi até o interior para encontrar com Sara. Ela queria que eu o conhecesse, era importante para ela, eu fui até o parque e quando o vi não acreditei como um homem tão lindo poderia estar envolvido com minha amiga caipira. Ele era de boa família, vivia na capital e estava quase se formando, ou seja, poderia dar boa vida com quem se casasse com ele.

Eu o cobicei. Fiquei irritada com minha amiga e quando fui almoçar na casa dela tratei de me arrumar com esmero. Eu me perfumei e puxei conversa, eu era muito mais interessante, mais astuta. Propus que minha amiga fosse até a cozinha pegar um doce que ela havia feito e me declarei a ele. Combinei um encontro perto dali e ele, rapaz jovem, se viu tentado. No encontro eu não resisti, me esqueci de Sara e pensei, apenas em mim, na minha situação. Eu o beijei, disse que não sabia que eles tinham compromisso. Falei que eu estava apaixonada e consegui virar a cabeça dele.

Quando ele olhou para Sara, já estava diferente. Afonso foi embora prometendo retornar por mim, mas Sara não sabia. Ela sofreu demais quando nos casamos, ela nunca mais quis falar comigo. Eu senti mais a ausência dela do que de todos os meus familiares. Vivi com Afonso um relacionamento frio, leviano. Talvez, a culpa não tenha permitido eu me entregar totalmente. Depois de trinta anos de casamento e muitas traições, posso dizer que tive as regalias que desejei, mas nunca o amor sincero.

Eu vivi de aparências e ostentações. Nunca mais me encontrei com Sara, mas ouvi Afonso insinuar que eu tinha desconsiderado minha amiga e que tinha feito um casamento arranjado para viver bem. Nos separamos e eu terminei meus dias só. Ele sempre soube, mas por que foi fraco? Por que se entregou a mim?

Respostas que só tive quando aqui cheguei. Sara foi minha irmã em outras existências. Espírito com muita afinidade comigo, porém eu fui gananciosa e a invejei. Ele estava no caminho da Sara. Deveriam se casar, ter filhos, mas eu interrompi com meus pensamentos mesquinhos. Quando desejávamos o mal de alguém, quando sentimos necessidade de possuir por ganância, poder, orgulho, soberba, podemos atrair com estes desejos e pensamentos, entidades que se comprazem no mal. Foi como se eu estivesse contratando um serviço. Eu tive o que queria, a vida boa, o casamento e só.

Deixei de seguir o meu caminho, deixei de me esforçar e trabalhar duro para conquistar independência como estava previsto. Parecia que eu estava imaginando que teria de trabalhar tão duro para ter minhas conquistas, mas eu desisti do plano e isso nunca aconteceu, fui dondoca, inútil na sociedade.

Tudo tem um preço.

Quando desencarnei, após sofrer por meses da enfisema que me arruinou, fui lançada para um local trevoso onde me cobravam seres horríveis. Levei tempo para observá-los e notar certa semelhante em meu jeito frio de tratar as pessoas. A gente fica enraizado no mal, nos maus pensamentos e no sentimento leviano. Não consegue compreender nada. Eu senti quando a Sara se aproximou de mim no umbral. Eu senti! Eu me arrependi de tudo. De ter tomado a vida dela, mas a Sara é um anjo, tão boa.
Justificou dizendo que não cai uma folha de uma árvore sem a vontade de Deus, foi permitido, ela falou. O que eu posso fazer agora? Nem sei por onde começar.
VERÔNICA
11/01/20


------------------------------------------------Paula Alves---------------------------------------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografia


“A VIDA NÃO TERMINA COM A MORTE, MAS UM ERRO PODE QUEBRAR COM A VIDA DE ALGUÉM”

Eu estava bastante ansioso. Fiquei pensando se seria possível enviar notícias aos meus familiares. Coisa incrível eu ainda estar vivo. Mais incrível ainda é esta forma maravilhosa de me comunicar. Compreendo que não seja muito aceita por todos. Quem poderia imaginar o quanto estamos atentos a tudo o que ocorre na Terra?
Nada mudou. Eu ainda me preocupo com eles, com todos eles. Queria ter estado presente em todos os acontecimentos importantes. Eu sempre os amei. Queria ter tido mais tempo, mas quem pode garantir que o dia chegou? Quem pode garantir que viveu tudo o que tinha para viver e o quanto a sua vida foi proveitosa.
Não que este seja o meu caso, mas quem pode determinar o quanto fez render a própria vida?
Eu sinto que, apesar de ter partido tão jovem, fiz coisas muito legais. Eu conheci pessoas geniais, pessoas que foram amigos leais, familiares que demonstraram seu amor. Nasci num lugar onde vivia muita gente simples, de bons hábitos e boas maneiras. Faltava recursos, mas sobrava honestidade e fé.
Me envolvi com grupos de pessoas que se uniam para fazer o bem e conheci a Rita, mulher trabalhadora, visionária que sonhava transformar o mundo. Eu também quis transformar o mundo com meu jeito de ser, com minha fala mansa e meu otimismo. Sempre acreditei que o bem triunfa, apesar de todas as adversidades, ainda hoje penso assim. Deus não nos criou para sofrer, mas sim para reagir e aprender a sermos pessoas cada vez melhores. Nossa obrigação é nos superarmos. Não estamos neste mundo para competirmos, mas para nos unirmos, já que todos pretendem alcançar a sua própria evolução. A questão está ligada a individualidade. Você se supera todos os dias, se redescobre, mas é a partir do contato com os outros que consegue se melhorar.
Eu pude fazer algo que sempre almejei, fui salva-vidas. Eu sabia que aquela maneira de servir poderia me fazer melhorar muito porque eu colocava minha vida em risco para salva outras pessoas. A imprudência de alguns, muitas vezes, danifica a vida de outros. Mas, eu nunca poderia pensar que um ser, por pura brincadeira, colocaria em jogo a vida de outra pessoa. Eu estava feliz naquele dia porque a Rita tinha dito sim. Mesmo com incertezas, sem nada, ainda assim, ela me disse sim. Eu fazia planos de nos casarmos, termos filhos lindos como ela. Eu nunca parei para pensar em enriquecer ou ter o melhor carro para me exibir por aí, eu queria uma família, filhos, uma vida de alegria e paz.
Enquanto eu imaginava minha vida, não reparei num grupo de amigos que se divertia. Quando dei por mim, alguém pedia socorro e eu corri. Eu só pensava em salvar. Um medo terrível se apossou de mim. Eu não temi por mim, mas pela pessoa que sofria no mar. Eu temi que ela se desesperasse e não conseguisse me esperar. Eu temi que fosse frágil, que estivesse cansado para retornar à superfície. A pessoa que trabalha para preservar a vida, também fica insegura e apreensiva.
Eu corri tanto e o caminho parecia bem mais longo, mas eu nadei e não vi mais ninguém. Eu nadei e procurei e me desesperei que ele tivesse sido tragado pelas ondas. Eu pedi a Deus que o protegesse e nem percebi o quanto estava aflito e cansado de procurar. Aí eu vacilei e fui tragado. Eu pensei em mim e na Rita. Pensei que, de uma hora para a outra, nossa vida pode mudar e tudo ser apagado. Suas preocupações e anseios ficam tão insignificantes porque não vão servir de nada.
Lembrei dos meus pais e no quanto ficariam entristecidos sem mim. Eu chorei antes do fim. Tentei respirar e já não conseguia, então, eu afundei coberto de consciência, sem ter forças para voltar. Eu ainda me lembrei do treinamento, de todas as vezes que ri, dizendo que tinha um fôlego de homem do mar, eu era Netuno. Mas, minha vida estava se apagando e eu chorei.
A vida não termina com a morte, mas um erro pode quebrar com a vida de alguém. O rapaz estava só brincando, disseram todos que estavam envolvidos no meu afogamento. Eu nem percebi quando tiraram ele do mar. Era só gracinha e insensatez que resultou na minha morte. Eu não culpo, também era jovem, mas eu usei minha juventude com o intuito de salvar vidas.
SAMUEL
04/01/2020

------------------------------------------Paula Alves-----------------------------------

“TODOS NÓS TEMOS UM DIA PARA RETORNAR”

Por que tínhamos que nos separar? Eu estava com ele quando tudo aconteceu. As brigas pareciam ser frequentes. Por qualquer coisa, por todos os motivos, nós discordávamos.
A gente nem percebe quando se transforma num ser insuportável, mas era recíproco. As pessoas diziam que a gente se merecia. Impressionante porque brigávamos, mas nem um de nós aceitava que mexessem com o outro. Eu o defendia e vice-versa. Estranho também como tínhamos as mesmas opiniões, a mesma forma de enxergar o mundo.
Eu não poderia viver sem ele. Estávamos casados há mais de trinta anos. Eu sabia de tudo o que ele gostava e, às vezes, fazia de tudo para irritá-lo só para ter assunto. Nossa vida foi assim depois dos filhos e netos partirem para longe. Eles crescem e descobrem que não gostam mais da terra natal. Eles acham que é melhor sem nós e vão embora. A vida ficou tão triste e sem graça. A gente conhece tanto o outro que nem precisa conversar. Você sabe direitinho tudo o que ele gosta de comer e como gosta, não precisa perguntar, então a gente resolveu brigar para ter assunto.
Vida diferente, mas era a minha vida e eu gostava dela. Já me perguntei quando chega a hora de desistir da vida. Se a gente vive muito começa a ver quem gosta morrendo. Eu nunca quis passar por isso, prefiro que Deus me leve para não correr o risco de enterrar um filho ou um neto. Mas, eu fiquei pensando quem iria primeiro, eu ou o Eurípes. Eu não queria morrer, mas enterrar o Eurípes seria muito duro. Eu sofreria demais, porém se eu morresse primeiro ele ficaria muito infeliz e solitário, com quem ele iria brigar? Quem iria esconder os chinelos dele e colocar açúcar no feijão? Sal no leite só para escutar as reclamações? Eu o deixava muito feliz. Deixei Deus com este impasse.
Naquela manhã, eu senti algo estranho. Tive vontade de chorar de tanta emoção olhando os ambientes domésticos, foi como se eu estivesse agradecendo pelo refúgio que construímos. A vida lá fora pode ser como fosse, desde que, na minha casa fosse só paz. Eu tentei fazer isso dar certo e achava que havia conseguido.
Olhei todas as minhas coisas e parecia estar abandonando tudo. Fiquei satisfeita porque sabia não precisar delas. Convidei Eurípes para um passeio, ele não quis, foi reclamando, mas isso era normal. Preparei uns lanches e sabia que tinha alguma coisa me esperando no passeio, eu nunca mais voltei para casa.
Eurípes devia estar sentindo parecido porque ele aproveitou a paisagem para me agradecer. Ele nunca foi carinhoso e conversador, mas falou tudo o que sentia. Falou da saudade pelos familiares que nunca nos visitavam. Falou de minha dedicação como esposa e mãe. Falou do meu feijão com açúcar, que eu era uma desgraçada amorosa. Até para me agradecer estava me achincalhando. Eu peguei em sua mão e disse que achava o mesmo.
Disse que sempre o amei e que ele tinha sido um presente de Deus na minha vida. Meu marido sorriu e falou que o mundo não poderia compreender o nosso amor e nosso jeito louco de viver a vida. A pista estava escorregadia, parecia óleo. O carro não conseguiu suportar e derrapamos. O carro capotou várias vezes, eu fiquei tranquila observando o olhar sereno de Eurípes, mas de repente, eu adormeci. Senti como se meu corpo estivesse tão pesado e não resisti ao sono.
Quando acordei estava aqui, tão bem tratada por moças lindas. Todas atenciosas, honestas, falaram que eu desencarnei. Fiquei contente, não sofri, me sentia bem e em paz, mas, e o Eurípes. Se estávamos juntos, por que ele não está aqui?
Eu demorei muito para conseguir entender o que o senhor estava tentando me mostrar doutor. Agora compreendi e não gostei nada da resposta que tive. Meu Eurípes não morreu como eu, mas ficou na cama, inválido. Soube que todos nós temos um dia para retornar. Entendi que todos nós somos diferentes e temos um caminho único, necessidades evolutivas diferentes. Apesar de termos a mesma família, sentirmos a falta dos nossos filhos, nós pensamos tão diferente. Eu brigava para sacudir a relação, para diverti-lo, no entanto, Euripes ficou enfurecido, com o coração duro, ele brigava mesmo e chegava a me detestar, pensava em atos criminosos contra si mesmo.
Eu não podia imaginar, nunca reparei que ele sofresse tanto. Ele precisava valorizar a vida, valorizar os cuidados que dediquei a ele e, por isso, está padecendo desta forma. Eu entendi. Não queria que tivesse sido deste jeito, mas eu vou aguardar até o tempo em que poderei reencontrá-lo. Eu tenho fé que poderemos estar juntos novamente, se Deus quiser.
ALCIONE
04/01/2020

--------------------------------------------Paula Alves--------------------------------

“QUANTOS SÃO COMO EU?”

Eu desejava a liberdade. As pessoas poderiam se colocar no lugar dos outros. A Humanidade sempre foi mesquinha e traiçoeira. Todos sempre lutando por seus próprios interesses mesmo que leve a morte de centenas de inocentes.
Vida bandida! Quanta injustiça! Naquele tempo, todos nós éramos escravos. Eu vi tanta coisa ruim com meus irmãos de cor. Queria que pudesse sair da minha cabeça, mas todas as vezes que chego deste lado, tudo retorna, minhas lembranças mais vivas me mostram o quanto as pessoas são ambiciosas e cruéis. Foram muitas vidas, muitas revoltas e delitos em nome da justiça.
Eu me lembro dos grilhões e da faca, do sangue e mesmo assim, eu ainda morri no tronco. Morrer no açoite, já pensou? Morrer de tanto apanhar e ainda preso, sem poder me defender. Eu nutri um sentimento tão grande de horror, de necessidade de vingança, virei perseguidor, padeci por séculos e quando pedi perdão, fui resgatado e me apresentaram uma nova oportunidade, eu fiquei louco. Eu já havia padecido, teria que retornar e ter contato com todos aqueles que me feriram, na mesma família?
Pra quê? O quanto poderiam me ferir?
Eu me recusei e voltei na marra, não tem que querer. Como é que eu posso estar de acordo?

 Voltei e sofri mais ainda, de novo negro, negro com revolta, uma vontade de não ser apontado, vontade de ser branco, de ter possibilidades de ser alguém, de tentar uma vida normal, mas não. Recebi meus algozes como pais, de brancos a negros, lembrando que eu matei e fui morto, sangue de vingança e revolta não produz amor. Fui negrinho do crime, do tráfico, da malandragem, nunca tive apoio de pai, amor de mãe, facilidade na vida, estudo, dignidade. Só dor e medo.
Morri cheio de droga, passei para este lado totalmente aloprado, enlouquecido, incentivando o vício e a delinquência. Demorou muito para chegar a uma ligeira consciência de quem precisa se tratar, mas quando consegui, recebi o acolhimento dos Bons.

Tô precisando voltar para pôr em prática o que aprendi, mas o que foi que eu aprendi? Até agora eu não senti compaixão. Eu não sei o que é ter carinho ou amizade. Não sei o que é ter ânimo para o trabalho ou uma necessidade de auxiliar. Como pode ser uma pessoa como eu no meio de tantos outros loucos como eu?

O problema não é a cor da pele?

Você me diz que as coisas mudaram e que hoje todos são considerados iguais. Eu escolho ser branco. Acho que vai ser um pouco mais fácil. Já sei que vou ter que retornar nem que seja na marra, não adianta recusar a oferta do retorno para a carne, mas que seja como branco. Aí me falaram que eu vou me envolver com uma negra, mas por quê? Por que todos os meus planos envolvem a negritude? Três vidas?
Me ajude a compreender, tem algo que eu ainda não entendi. Dizem que nós retornamos para aprender alguma coisa bem importante que nos falta. Se eu estou sempre envolvido com a negritude, o que me falta?

Após ligeira análise, eu me lembrei de outra existência onde fui branco. Quantos agredi, quantas molestei pelo simples fato de ser negro ou negra?
A Lei é imperiosa. O preconceito partiu de mim.  Eu fui cruel e serei até quando? Como tirar tudo isso de dentro de mim, se fui negro e, ainda assim, não me aceitava como realmente era. Eu não me aceitei como negro, se pudesse teria me tornado um branco, eu tive vergonha. Eu sinto asco, repugnância e preciso me tratar.
Não sei como posso prosseguir desta forma, mas vocês acham que eu posso amar uma mulher negra. Não sei se isso é possível. Você me faz lembrar de uma mulher que foi muito importante para mim. De outras existências, ela foi a única que já pode chegar ao meu coração, ler o meu íntimo, mas será que eu vou permitir que ela se aproxime de mim, sendo uma negra?

Usem todos os recursos porque eu sei que isso é doença da alma e sinto vergonha de ser quem sou. Um Espírito dotado de tanto preconceito, eu tenho muita vergonha. Quantos são como eu?
BENTO
04/01/2020

--------------------Paula Alves--------------------

“NADA VAI FALTAR, NEM PÃO, NEM PAZ

Eu precisava perseverar porque a região não dava nem mesmo o básico para que pudéssemos sobreviver. Eu casei apaixonado, queria minha família e ela era minha razão de viver, mas sem água quem vive?
Eu sabia do cangaço, eu sabia da pobreza, mas para a gente era tudo normal, só que eu ouvi falar da cidade. A cidade que estava tão longe de nós e eu agora, já não mais sozinho. Eu precisa cuidar da Janete e dos nossos filhos. Mas, eles eram pequeninos e puderam ser levados no colo. Janete ficou assustada porque a gente não tinha nada na vida, era a esperança e a roupa do corpo. Ela me abraçou e disse que Jesus iria nos guiar.

Oh! Deus. Eu achava que ia morrer de tanta fome. Janete deu o peito pras crianças, nem sei como ela conseguia andar, coitada.
A gente viajou muito tempo a pé, depois de carona. Tem gente boa por aí que nem sabe o que fazer para ajudar quem precisa. Um casal de meia idade que se encantou com nossas crianças, a mulher até quis pegar nosso nenê para eles, mas a Janete só olhou nervosa e a mulher percebeu que não devia falar nisso com ela. Deve ter bastante gente que dá as crianças. Eu nem julgo não porque tem quem não consiga criar mesmo.

O percurso era cansativo e ainda tinha uma preocupação: ia chegar na cidade e fazer o quê? Sem ter para onde ir, sem ter trabalho ou dinheiro. Eu era o chefe da família e não podia deixar minha esposa ficar mais desesperada. Tentei passar coragem para ela, perseverei, chegamos em São Paulo. Pés machucados, cheios de fome e uma criança doente. Janete nunca reclamou
Fui num restaurante e pedi um prato de comida. Quando a agente tem família, engole o orgulho para matar a fome. Eu consegui encontrar gente muito legal pelo caminho, o dono do restaurante alimentou a gente e ainda ofereceu emprego para Janete. Ele falou que na firma que ficava em frente, estavam precisando de operário e me arrumou emprego.

Foi tão rápido! Passou que eu nem vi. Trabalhei muito, a Janete também, a criançada crescendo. Daí ela engravidou e eu consegui comprar um terreno. Nós fomos esforçados e trabalhadores conseguimos criar nossa família e ainda recebemos nossos irmãos para tentar a vida em São Paulo.
Tudo é difícil para quem não tem nada, mas a gente não pode esmorecer, se curvar para a pobreza e para a dificuldade. Sempre achei que Deus dá condições da gente se erguer e viver. Eu sempre tive fé que conseguiria formar uma linda família e consegui. Se você for sempre trabalhador e honesto, a vida vai permitir que você forme família e nada vai faltar, nem pão, nem paz.
SÓCRATES
04/01/2020





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