Cartas de Agosto (12)

 “Nós fazíamos de tudo para ficarmos em paz, mas o nosso tudo, nunca foi o suficiente para acalmar nosso genitor”

 

Nós precisávamos de paz.

Todos os dias ficávamos aguardando quando o pai chegaria enfurecido. Revirando a casa, procurando alguém para atormentar. Minha mãe não era páreo para ele.

O danado passava no bar antes de vir para casa e quando voltava, após mais um dia de serviço, parecia que estava acompanhado dos seres mais perversos. Ele queria nos castigar de qualquer jeito. Crianças amedrontadas não sabem nem brincar. Nós fazíamos de tudo para ficarmos em paz, mas o nosso tudo, nunca foi o suficiente para acalmar nosso genitor.

Eu preferia apanhar do que ver um pequenino sendo maltratado ou ver minha mãe sendo arremessada pelos cabelos. Ela sofreu muito nas mãos daquele desalmado.

Todo mundo tem justificativa para dizer que fomos, todos nós, adversários do passado, mas vivenciar a violência doméstica durante anos, ainda mais quando se está na infância, é insuportável.

Afirmo que foi muita injustiça açoitar pessoas indefesas. Tanto é que, depois que crescemos, ele preferiu sair de casa. Por que não tentou esganar um homem, alguém que podia medir forças contra ele?

Ele era bêbado e não estúpido!

Nunca nos esquecemos a terrível crueldade de termos que acordar sendo espancados. Não tinha dia, nem hora para sofrermos a pancadaria que ele nos proporcionou.

Tem muita gente que diz ser melhor não ter filhos, se for para maltratar desta maneira. Melhor mesmo é tratar com seriedade a missão da paternidade e lembrar que a caridade também envolve os familiares. Precisamos usar de misericórdia com os seres que Deus colocou no nosso convívio íntimo.

Crescemos atormentados, sem aceitar grandes aproximações das pessoas. Ninguém queria casar, constituir família. Os traumas foram profundos.

Acho que minha mãe só conseguiu dormir tranquila depois que aquele homem foi embora. Ainda por cima nos abandonou.

Durante anos, tivemos um pouco de sossego. Todos gente de bem, trabalhadores, conseguimos dar conforto para a mãe. Até que um dia, ele retornou solicitou amparo da família. Lembrou que tinha filhos e esposa quando a doença chegou.

Os tormentos formam grandes no lado da enfermidade e ele precisava de ajuda. Voltou como uma boa pessoa, mendigando abrigo e apoio moral. Precisava de nós.

Nenhum filho desejou que ele ficasse em casa, mas a mãe se sensibilizou com a situação dele e disse que precisávamos ajudar. Não podíamos virar as costas para ele. Deus reprovaria nossa atitude com um familiar enfermo.

Então, ela falou que teve culpa, pois deveria tê-lo enfrentado na primeira vez que nos espancou. Ela não podia ter sido uma mulher submissa. Ela estava arrependida.

Cuidamos daquele pai torturador, até o fim dos seus dias. Ele foi tratado com tudo o que tínhamos de melhor. Nada lhe faltou. Fizemos o possível para não revidar o mal, ainda mais naquele momento onde ele estava indefeso.

Foi bom para nós. Como se servisse para limpar as chagas doloridas. Não limpou o passado negativo. Nós não conseguimos eliminar o mal que ele gerou, mas foi bom para não prosseguirmos com a ruina moral que nos envolvia.

Aquela situação foi imprescindível para quebrar o elo do mal que nos uniu durante vidas sucessivas. O que leva a crer que mais uma vez Jesus estava certo: “nós devemos pagar o mal com o bem e nos reconciliarmos com o adversário enquanto estamos a caminho com ele, ou seja, enquanto estávamos encarnados”.

 

Zé Tobias

08/08/24

 

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 “Precisamos de paz para reconstruirmos nossa mente pacificada”

 

Ela tinha problemas psiquiátricos. Eu sempre tentei entender. Tinha dias que era mais fácil para mim. Eu olhava para aquele semblante e via tanta fragilidade que me convencia de que ela não tentava me prejudicar, não era proposital.

Mas, normalmente mexia com a minha cabeça aquela mãe que quebrava a casa inteira. Eu só queria sumir dali. Minha irmã só sabia chorar, então, a minha mente era uma derrota, confusão e revolta.

Eu liberava meus monstros internos na escola. Ninguém sabia explicar o motivo da minha revolta e agressividade. Achavam que minha mãe era uma ótima dona de casa e ninguém sabia que a gente chegava a passar fome com os armários cheios de comida. O pai precisava trabalhar e ela ficava num mundo paralelo onde o melhor era deixar que ela não voltasse a realidade para não mexer demais com a gente.

Eu fazia o que era possível para cuidar da gente, mas me sentia cansado, sempre cansado.

Eu tinha muita inveja de todo mundo que tinha pais normais. Família unida que passeia no final de semana. Mãe que brinca e conversa, coloca a roupa limpa e serve comida quente. A verdade é que as crianças não são nenhum pouco exigentes, elas se satisfazem com pouco. Basta carinho, atenção, cama quente e comida no prato. Só isso, já bastaria.

Mas, não tínhamos nada disso e sobrava violência doméstica.

Acredito que muito pior que os sopapos foi a negligência. Ela estava ali só de corpo presente. Não ter minha mãe, vendo que ela estava envolvida na sua mente fria, louca, sórdida. Houve dias de medo. De não sabermos o que se passava naquela mente, se ela pretendia fazer o mal. Eu morria de medo daquelas gargalhadas.

Seria bom se alguém tivesse percebido, se tivesse alguém ou algum lugar que pudesse proteger a criança de familiares insanos. Mas, só quem protege é Deus.

Foi assim que eu fiz de tudo para me envolver com meus estudos para ser um adulto capaz de cuidar de nós. Assim que percebi que tudo dependeria da minha capacidade, eu me esforcei. Durante cada ano, eu só quis crescer. Ser capaz de cuidar de nós.

Quando isso aconteceu, eu estudei, trabalhei e me preparei para fazer a internação dela.

Meu pai, aquele ausente, ainda achou crueldade da minha parte afirmar que nossa mãe tinha problemas mentais. Ele me chamou de ingrato.

Solicitei uma avaliação psiquiátrica e os médicos interditaram nossa mãe, disseram que não sabiam como ela não realizou nenhuma insanidade, enquanto ainda éramos crianças.

Fiz de tudo para termos um local para ser chamado lar. Minha irmã e eu, vivemos bem depois disso. Tivemos nossas vidas, nossa individualidade, nunca nos esquecemos dos nossos genitores, continuamos cuidando deles, mas na medida do nosso possível porque precisamos de paz para reconstruirmos nossa mente pacificada. Faz toda diferença ter um local onde a paz reina e nos permite descansar.

 

Daniel

 

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“Ter compaixão no lar é fundamental para solucionar as questões mal resolvidas do passado”

 

As brigas foram frequentes. Sei que eu também não fui uma pessoa fácil.

Meu sangue subia só de olhar para ela. Minha mãe gerava impulsos de raiva que eu não sabia controlar. Cheguei a me culpar por causa destes sentimentos. Ela era uma pessoa maravilhosa para todos, mas eu não suportava o contato dela.

Sei que foi recíproco. Eu a irritava, apenas com minha presença. Tivemos muitos momentos, onde tentamos nos reconciliar e vivermos em paz, mas nada foi melhor do que nosso distanciamento.

Às vezes, a separação vem como um bálsamo. Assim que tive a oportunidade de me sustentar com o trabalho abençoado, procurei um lugar jeitoso e fui embora da casa dos meus pais. Meus irmãos estranharam, eu era a mais nova, devia ficar até que eu desejasse me casar, mas eu não tinha vocação para casamento e não podia mais ficar naquele ambiente tóxico (como dizem hoje em dia).

Eu precisava me libertar daquelas sensações terríveis, frustrações, ira, revolta, angústia. Parecia uma crise que acabava com a minha paz de espírito.

Cheguei a me consultar com médicos que prescreveram antidepressivos, mas a causa dos meus problemas era a relação conturbada que eu tinha com a minha mãe.

Na nossa casa não tinha paz. A relação era tão doentia que, após a minha saída do lar, tudo mudou. Eu era o problema. Minha mãe teve paz depois que eu me mudei. A casa ficou em harmonia, todos ficaram mais tranquilos.

Eu nunca fui má ou leviana, tinha amigos, me relacionava bem no ambiente de trabalho. O problema era o relacionamento com a minha mãe, só isso.

Fiquei distante, na minha casa, morando sozinha. Eu ia visitá-los e quando isso acontecia, ela se sentia na obrigação de me receber bem, de me fazer pequenos agrados de mãe e eu a tolerava com delicadeza, percebendo o quanto ela se esforçava, então, eu correspondia a altura, com muito respeito e dedicação, levando bombons e sorrisos.

Era um relacionamento delicado, nós sabíamos a fragilidade das nossas palavras, então, tomávamos o cuidado de escolher bem cada palavra, cada contexto.

Assim, eu compreendi que nós podemos solucionar estas questões, mas a infância é a fase mais delicada. Os adultos devem prestar a atenção nos seus sentimentos mais íntimos e raciocinarem porque não é fácil para o pequeno ser em desenvolvimento. Ter compaixão no lar é fundamental para solucionar as questões mal resolvidas do passado.

 

Gabriele

 

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“Por que não podem ser bons também no lar?”

 

A violência nunca foi ensinada pelo Mestre. Ele sempre ensinou através dos seus exemplos que devemos amar, perdoar e sermos caridosos.

Quando nos envolvemos com casos de violência na rua, trabalho ou escola, isso nos constrange e preocupa. Não sabemos a quem recorrer até que tudo seja resolvido e possamos voltar a viver em paz, podendo frequentar novamente estes lugares sem perturbações.

Mas, quando a violência é doméstica a questão é insuportável. Não agride apenas o corpo, mas também a alma, produzindo danos mentais irreversíveis e talvez, irreparáveis.

Famílias destruídas por imprudência, negligência, egoísmo. Pessoas despreparadas no lar que se envolvem e sobrecarregam pessoas frágeis e indefesas com tudo o que existe de pior.

Apesar dos apelos e lágrimas nada faz com que o agressor se comova e ele prossegue durante décadas, envolvendo seus familiares num ambiente que pode desestruturar as consciências, aprisionando na dor e no sentimento de vingança.

Fora de casa, estas pessoas não se revelam e podem ser cidadãos exemplares, trabalhadores corretos, amigos leais.

Dentro de casa são pessoas exigentes e agressivas. Por que não podem ser bons também no lar?

A questão pode estar ligada a existências passadas ou a problemas pessoais no presente. Tudo o que vivenciam de ruim no mundo exterior, descarregam naqueles que são mais próximos como se tudo fosse passível de perdão e esquecimento.

Devemos olhar para os familiares como as pessoas que mais necessitam de nós. Mas, eles precisam que estejamos sãos, equilibrados e mansos para atender a suas solicitações.

No mundo nós encontramos de tudo, o bem e o mal estão por toda parte. Todos precisam de refúgio, um local de paz para o seu refazimento, onde possam colocar a cabeça no travesseiro e recobrar as energias para socializar de forma consciente e responsável.

Portanto, todos deviam olhar para seus familiares, independente da sua posição hierárquica familiar, notar as fragilidades e necessidades de cada um. Ao invés, de fazer cobranças, ofertar aos familiares o que é da necessidade. Para recebermos amor e atenção, é preciso ser generoso, delicado e amoroso.

Sermos para o outro aquilo que desejamos que ele seja para nós. Por um lar pacificado!

 

Camilo  

 

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“Meus familiares eram muito melhores do que eu”

 

Nada foge da Lei Divina. Todos colhem aquilo que plantam.

Eu achei que era soberano no lar. Pensei que eles tinham que me respeitar como o chefe da casa e que a última palavra tinha que ser a minha, isso quando eu os permitia falar porque, normalmente, eu não tinha tempo e nem disposição para escutá-los.

A verdade é que eu fui um tirano no lar. Mais um dentre tantos homens que agem com agressividade e autoridade sem agir com amor e respeito diante dos familiares.

Minha esposa tinha uma vida infeliz, eu sei. Todos conseguiam enxergar em seu semblante cansado e arrependido. Arrependimento de ter se casado com um repressor. Ela foi uma mulher incrível, soube driblar meus ímpetos de agressividade e dar uma educação preciosa para os nossos três filhos. Eu a admiro muito.

É fato que eu sempre fui muito trabalhador. Numa de minhas viagens, desejando chegar mais cedo no destino para pegar mais uma carga, sofri grave acidente e fiquei extremamente ferido. Foi uma grande oportunidade não ter desencarnado imediatamente porque eu precisava aprender durante aquele sofrimento.

Fiquei em coma durante dois meses. Há quem diga que eu não sofri porque não tinha consciência do meu estado, porém, meu Espírito sabia plenamente o que se passava e desejava viver.

Eu me esforcei, mas em decorrência de todas as coisas que estava assimilando naquela fase, houve um momento em que eu me senti desestimulado a me esforçar.

É estranho, mas de repente, você começa a repensar e fica na dúvida se é viável tanto sofrimento. Vontade de desistir? Eu não diria que seria desistir, mas eu ouvi quando os médicos disseram que minhas pernas foram amputadas, ouvi sobre o traumatismo craniano e as diversas sequelas neurológicas que aquele corpo seria obrigado a enfrentar me deixando completamente dependente de terceiros. Sei que minha esposa seria uma mulher fantástica cuidando de mim, mas ela não merecia, depois das torturas que eu, a havia feito passar.

A gente chega a desejar o fim. Todos querem viver, mas a gente chega a pensar se não seria melhor mudar de plano e deixar o corpo se acabar de uma vez.

Ouvi tudo o que falaram. Meus familiares eram muito melhores do que eu. Eles estavam muito preocupados. Nunca foram cegos ou surdos, eles me reconheciam exatamente como eu era, com todos os meus defeitos e leviandades, ainda assim, eles oravam pelo total restabelecimento e diziam claramente para que eu não me preocupasse que cuidariam de mim.

Eu precisava ouvir, sentir o amor puro que emanava deles, apesar de tudo o que os fiz passar.

Eu repensei e solicitei que fossem libertos daquele martírio e eu pudesse prosseguir na espiritualidade, agora mais envolvido com o amor, muito mais desejoso de fazer por eles coisas boas, mas numa nova condição.

Fui atendido, estou aqui me reorganizando espiritualmente para regressar no mesmo núcleo para que possa ser para eles um aliado no progresso recíproco. Gratidão.

 

Everaldo

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"Quem tem a possibilidade de conduzir seus filhos numa educação consciente e promissora, saiba dar amor"

 

Eu nunca fui pai de bater em filho. Sempre achei terrível a ideia de agredir criança porque o adulto na hora da raiva perde o controle da sua força e pode perder a noção. Machucando realmente seu filho.

Mas, pai tem que educar! O que fazer se não pode bater?

Eu precisava mostrar para eles que na casa eu era o chefe. Quem mandava naquele teto era eu, então, eu não deixava nada passar sem uma lição de moral, uma reprimenda, um entendimento.

Minha esposa sempre dizia que eu humilhava os meninos diante de qualquer um e isso era prejudicial para a educação dos meninos. Eu nunca entendi o ponto de vista dela. Fazia de conta que concordava e continuava no meu modo de agir.

Mas, notei tardiamente que eles eram muito retraídos. Rapazes que não tinham boca para falar nada. Não tinham argumentos, iniciativa ou motivação. Como se fossem depressivos, desanimados. Dois jovens que deviam sentir entusiasmo pela vida e viviam acuados. Minha esposa dizia que eu era culpado porque sempre dizia que eles não serviam para nada, xingava e humilhava verbalmente, isso causava tanto constrangimento moral que eles tinham medo de passarem por isso em todos os lugares com todas as pessoas. Desencadeando um comportamento de inibição social.

Como era possível minha educação paterna que nunca teve um tapa sequer, ter mexido tanto com a cabeça dos meus filhos?

Eu fracassei como pai? Coloquei bloqueios graves nas cabeças dos meus filhos?

Então, pode acontecer de, querendo acertar, desestruturar a mente do jovem?

Eu vi aqueles dois e me arrependi. Eu podia ter feito tudo por eles, mas agi de forma inadequada porque não soube ver as necessidades deles.

Crianças e jovens precisam de compreensão, tolerância, honestidade, carinho, atenção, diálogo, entre outras coisas fundamentais para o desenvolvimento de uma personalidade forte e determinada e independente.

Os pais pensam no futuro dos seus filhos e fazem planos de sucesso e prosperidade, mas muitos se esquecem de que no presente, o lar deve ser um ambiente calmo, pacífico e amoroso para desenvolver a mente saudável.

Acho que eu nunca tive uma mente saudável para proporcionar isso para os meus filhos. Quem tem a possibilidade de conduzir seus filhos numa educação consciente e promissora, saiba dar amor.

 

Tarcísio

 

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“Não podemos afirmar que todos os homens são agressores”

 

Escolhi mal meu primeiro companheiro. Eu sempre soube que ele era um homem autoritário e agressivo, mas me apaixonei e como tantas mulheres, achei que pudesse transformá-lo numa pessoa melhor, doce ilusão.

Sofri demais nas mãos dele. Apanhei e acreditei em cada pedido de desculpas, eu desejava que fosse verdade. Vivi dois anos, tentando fazer dar certo, nem percebi que ele já tinha se acostumado em me bater, pedir desculpas e repetir o erro sem o menor constrangimento.

Nós seriamos o casal perfeito, ele agressor, eu a vítima que perdoa infinitamente, se nossos filhos não tivessem surgido.

Eu apanharia para sempre, mas depois que me tornei mãe, percebi que aquilo não era amor, mas uma forma inconsciente de me torturar por algum erro do passado. Eu precisava estar bem para cuidar dos nossos filhos.

Eu quase morri de vergonha quando meu filho de quatro anos, tremeu de medo vendo o pai me agredindo. Eu vi nos olhos dele, o pânico.

Não queria que meus filhos crescessem naquele ambiente, pra quê?

Só para dizer que eu era uma mulher casada? Eu era uma infeliz mulher casada e não queria aquele estado civil para destruir os sonhos dos meus meninos, então simplesmente fui embora.

Nós não temos nada nesta vida, casa, carro, ventagens ou benefícios de uma vida a dois não mudam a pessoa que você é e nem te fortalecem moralmente, não mudam a situação de pessoa entregue as conveniências.

Eu refleti e pensei que nunca precisei de homem para me sustentar, poderia criar meus filhos com dignidade. Fui embora profundamente aliviada e cheia de esperança. Foi a melhor coisa que eu fiz. Depois de dois anos, após formalizar a separação e estabelecer algumas regras para que ele pudesse ter contato com as crianças, eu conheci um homem maravilhoso. Ninguém pode supor que, em decorrência de um relacionamento falido, ninguém é bom o suficiente. Não podemos afirmar que todos os homens são agressores.

Eu encontrei um bom homem e decidi tentar. Eu me esforçar para que desse certo, para que funcionasse, apesar dos meus traumas de mulher agredida.

Me casei novamente e fui muito feliz. Eu e meus filhos tivemos uma nova chance de termos uma família feliz porque no mundo existem muitas pessoas boas.

Ele acolheu meus filhos como se fossem seus e soube dar apoio e a atenção que precisavam para serem bons homens.

 

Renata

 

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“As famílias deviam viver em paz”

 Eles brigavam tanto que mexia com a nossa cabeça.

Eu tentava distrair minha irmãzinha para que ela não ficasse com medo. Eu era o irmão mais velho, tinha cinco anos a mais e nunca me acostumei com aqueles gritos.

Ele era mulherengo, machista, acusador e ela não ficava por baixo. Casal complicado que estava sempre brigando. Todo dia tinha gritos e às vezes pancadaria, um horror!

Eu corria para o quarto com a Raquel e colocava música para distrai-la. Mas, eu sabia que aquilo não teria fim, então quando cheguei na adolescência, pedi encarecidamente para que se divorciassem. Nós precisávamos de um pouco de paz. Eles riram, falaram que o seu jeito de amar. Eles estavam acostumados com aquele lar desestruturado, diziam que nas casas dos seus pais era muito pior. Achavam que nosso lar era um paraíso e eu era um filho ingrato.

Dentro de mim, algo dizia que as famílias deviam viver em paz e que um lar de verdade proporcionava tranquilidade, ternura, paz, amor e solidariedade entre os membros.

Eu sonhava com um lar neste modelo. Cresci vivendo com aqueles pais briguentos e não suportava ouvir alguém gritando, me incomodava tanto que eu nem conseguia trabalhar.

Cheguei a pensar que não conseguiria me relacionar com ninguém para ter filhos, constituir família. Eu tinha trauma, assim como minha irmãzinha que depois de anos, chegou a me agradecer por toda dedicação que eu tive tentando esconder dela a forma como nossos pais se tratavam.

Raquel nunca se casou.

Eu consegui me casar, Deus me enviou uma esposa delicada e atenciosa que compreendeu meu jeito de ser. Após anos de terapia, consegui falar abertamente sobre o assunto e pronto para receber a prole com imensa dedicação.

Eu amei cada experiência como pai. Não sei como um pai pode olhar para seu filho e não sentir amor e responsabilidade diante de tanta fragilidade.

Eu só queria fazer o melhor por eles e me dediquei para serem pessoas decentes e justas. Eu segui o Evangelho de Jesus para ter a certeza de que o caminho do amor é o mais indicado para conduzir a família. Graças a Deus.

 

    Roberto


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“Por maiores que sejam nossas rivalidades, se desejarmos estar em paz com nossos familiares, iremos conseguir”

 

Nunca o suportei. Eu via a forma odiosa com a qual ele me observava. Sempre fazendo zombarias, criticando, tentando me prejudicar.

Eu apanhei muito quando era criança, surras por motivos banais, eu era apenas uma criança e ele descontava em mim toda a indignação que sentia do mundo inteiro. Alguém tinha que pagar o pato por ele ter sido tão incompetente e ter perdido o emprego?

Por que sempre tinha que sobrar para mim?

Eu desejava um abraço paternal, eu sentia a necessidade de tê-lo por perto, mas não embriagado, queria que ele pudesse ser apresentado como o homem que cuidava de nós, mas eu sentia só medo e vergonha. Ele não podia ser o meu pai diante de todos e ser apresentado.

Vivemos assim, enquanto eu era pequeno, ele abusou da autoridade e da força, me espancava. Quando eu cresci, prometi que, um dia, eu ia dar uma lição proveitosa, mas não poderia levantar a mão para o meu pai, então, preferi sair de casa e deixar a mãe na mão daquele malvado.

Mas, minha mãe sempre foi o tipo de mulher que prefere ficar do lado do homem, deixar o filho na mão. Então, eu cai no mundo, acreditando que poderia mudar minha história e me esquecer do meu passado de filho negligenciado.

Eu não imaginei que eles precisassem de mim. Minha mãe conseguiu me achar e pediu ajuda para cuidar daquele homem que sempre me maltratou.

Depois de pensar muito, decidi retornar e fazer por ele coisas das quais ele não poderia esquecer. Confesso que planejei prejudica-lo, chegar no revide e descontar tudo o que ele me fez passar na infância sofrida.

Porém, quando ao antigo lar e vi aquele velho doente, me decepcionei com a vida e comigo também.

Ele estava modificado, estranho não parecia a mesma pessoa de antes. Em decorrência da enfermidade dolorosa, ele se modificou e eu gostei do que vi. Um homem humilde, sincero e afetuoso que me pediu perdão assim que eu o vi.

Ele reconheceu o quanto errou comigo e me pediu perdão, falou que desejava voltar no tempo e fazer dar certo, mas ele não podia modificar em tudo o que falhou.

Eu acho que ninguém é cem por cento mal, nem bom. Todas as pessoas têm pontos positivos e poderiam acertar se desejassem. Sei que, pelo fato de precisar de mim, ele se esforçou para modificar nossa situação e conseguiu.

Então, chego à conclusão de que todos podem eliminar as animosidades quando desejam fazer dar certo. Por maiores que sejam nossas rivalidades, se desejarmos estar em paz com nossos familiares, iremos conseguir.

 

Reinaldo

 

   ***


 
“Não consigo viver em paz”

 Eu cheguei a puxá-la pelos cabelos.

Não conseguia compreender por que eu não conseguia olhar nos olhos dela e isso me traz muito remorso.

Se eu pudesse voltar no tempo e apagar tudo o que fiz para aquela menina, se eu pudesse ter feito coisas boas como ter sido uma mãe amorosa, sei que me sentiria em paz com minha consciência.

Mas, naquela época, eu só era uma jovem muito inconsequente que desejava curtir a vida e acreditava que aquela criança tinha tirado minha liberdade.

Eu culpei a criança por todos os meus sofrimentos, por meus vacilos, por tudo o que ficou faltando de facilitações.

Como se eu não tivesse pisado na bola quando engravidei. Como se eu não tivesse traçado esta trajetória para minha vida de encarnada.

Mas, totalmente confusa de tanto egoísmo, eu não via as necessidades da minha filha, eu só pensava em mim.

Queria tanto que minhas tolices não tivessem incentivado a minha filha a cometer erros tão parecidos...

Eu me sinto responsável por ela, por todas as más inclinações fruto de uma criação sem amor e moralização. Ela foi negligenciada, eu não fiz nada por ela.

Agora só me resta a culpa!

Eu revi todas as cenas em que eu fui omissa, entendi perfeitamente como poderia ter feito coisas diferentes e ter interferido de forma positiva na vida dela. Eu sei que as crianças desejam o carinho e o apoio da mãe. Sei o quanto elas admiram e sentem-se protegidas, eu poderia ter olhado para ela diferente se não tivesse sido tão egoísta.

Criança cresce! Ela cresceu me odiando, lembrando de cada vez que eu a castiguei e a maltratei. Ela nem chorava, só me olhava com indignação, revolta.

Depois, na adolescência, travou guerra comigo. Jurou que jamais se esqueceria dos dias terríveis que viveu ao meu lado.

Ela foi embora e voltou para casa com um homem que me bateu. Eu não acreditei que ela seria capaz de uma coisa daquelas, lembro ter me sentido ofendida e achado aquilo uma enorme covardia, mas ela fez questão de me dizer que covardia era espancar criança.

Ela foi embora para nunca mais voltar.

Depois que desencarnei, tentei saber dela e vi que estava numa situação precária, envolvida com traficante, sendo abusada, vida de martírio e dor.

Eu me culpo e queria fazer algo por ela, por isso, estou solicitando novo planejamento para que eu possa ressarcir tudo o que fiz. Não consigo viver em paz.

 

  Claudiana

 

   ***


 
“Tudo depende do nosso desejo sincero de mudança e da nossa motivação, do esforço e boa vontade para dar certo”

 

Sentia repulsa e pensava no que Deus desejava para minha vida.

Eu detestava aquela vida, aquela família, mas dentro de mim, tinha a certeza de que precisava fazer por eles tudo o que estivesse ao meu alcance para que todos pudessem viver na paz do Senhor Jesus.

Pobreza, vícios, falta de oportunidade, favela, tudo isso acompanhado àquela negritude que me faziam ter a certeza de que nunca teríamos dias muito melhores.

A gente não se entendia e nem se entendia com ninguém por ali. Era muito difícil fazer planos ou ter esperança de dias melhores. Eu morria de medo de ser estuprada ou de tomar uma bala perdida.

Dormia atormentada.

Então, eu culpava meus pais por aquela vida de exclusão. Pra que ter tantos filhos que não poderia sustentar?

Pra que morar naquele lugar onde nem mesmo os animais podiam ter melhores condições de vida?

Eu também queria uma casa cheirosa com quintal. Eu queria pais que não estivessem drogados, queria irmãos que soubessem se expressar e vizinhos bem-educados.

Eu queria uma vida nova, mas aquela era minha realidade. Acho que a gente não deve ficar fugindo da vida que tem.

Então, eu estudei e cresci. Fiz o que tinha de ser feito todos os dias. Um dia de cada vez, eu fiz o que devia ser feito, sem muitas perspectivas ou ilusões. Eu só agi com o que tinha nas mãos.

Eu encontrei um emprego simples como eu, faxineira. Mas, fui muito grata por aquela oportunidade de ganhar um sustento honesto e todos os dias eu perguntava ao Senhor:

— Senhor, o que queres que eu faça?

E as oportunidades foram aparecendo. Estudei, trabalhei e conheci um rapaz também muito esforçado. Consegui me formar e pude arrumar um emprego muito melhor como contadora.

Deus abriu portas para mim, eu me esforcei para honrá-lo em cada vã oportunidade, eu O glorifiquei.

Então, um dia, falei para os pais que sairíamos daquele local para morar num lugar melhor e eles riram de mim. Falaram que uma neguinha como eu não ia muito longe. Eles iam continuar ali, esperando que eu quebrasse a cara e retornasse com o queixo baixo.

Eu chorei. Depois de todo o meu esforço, eles riram de mim. Por isso, arrumei minhas coisas e fui embora. Eu me casei sem que eles soubessem e fui morar com aquele homem que também desejava uma vida melhor.

Tudo depende do nosso desejo sincero de mudança e da nossa motivação, do esforço e boa vontade para dar certo.

Eu consegui mudar e compreendi meus pais. Eles não tinham a mente aberta para uma mudança drástica. Mas, eu merecia coisa melhor.

Nós devemos reconhecer que as pessoas têm caminhos individuais e permitir que cada um evolua a seu tempo.

 

  Vanessa

 

***


 
 “A pessoa tem que ter sentimento nobre”

 Ela me levou embora e eu chorei porque desejava ficar com meu pai. Eu era pequeno, mas sempre confiei mais nele do que nela.

Algumas mulheres parecem que não deviam ser mães. Ela se aproveitou de mim para causar compaixão nas pessoas.

Tudo o que ela pediu, nem sempre chegou nas minhas mãos. Falava para tanta gente que pediu dinheiro para comprar remédios porque eu era uma criança muito doente e meu pai tinha morrido, por isso, ela não podia trabalhar. Tudo mentira!

Quando não, ia para o farol, pedia dinheiro comigo nos braços. Inventava cada história tão triste que até eu ficava comovido.

Minha mãe sempre foi cambalacheira. Depois, me deixava em casa sozinho, sem comida ou cuidados e saia para beber, cada dia com um homem diferente. Nunca pensou em mim. Precisei crescer para ir atrás do meu pai. Mas, já fazia tanto tempo, eu nem sabia se ele estava vivo, não me lembrava do endereço.

É Deus que coloca as pessoas no nosso caminho e ajuda para recuperarmos o que perdemos.

Eu tinha medo que aquele pai que eu tanto almejava para me salvar daquele sufoco fosse tão ruim ou muito pior do que ela, mas eu segui minha intuição e falei para o pastor da igreja que queria muito encontrar meu pai, ele me ajudou.

Levou um tempão, mas ele encontrou meu pai e me surpreendi bastante quando soube que era um homem extremamente trabalhador e temente a Deus.

Ele também congregava, apesar de todas as humilhações que havia sofrido por ter sido abandonado pela esposa, ele se reergueu como membro de uma igreja séria.

Meu pai veio até mim de braços abertos e conseguiu mudar a minha história de vida. Tudo mudou para muito melhor.

A pessoa tem que ter sentimento nobre. Mãe, pai, desempenha melhor sua missão aquele que sabe amar.

Eu me fortaleci no contato com aquele pai e pude cuidar da minha mãe no fim da vida quando ela precisou de mim. Eu estava esclarecido, envolvido com o Evangelho. Pude fornecer amor e cuidados filiais que a elevaram.

Pude fazer por ela muito mais do que recebi porque Deus soube guiar meus passos. Graças a Deus.

 

   João Gabriel 

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