Cartas de Fevereiro (16)

 

“A área médica, nem sempre, pode salvar vidas, mas sempre pode depositar fé e esperança nos corações daqueles que parecem despedaçados”

 

Eu estava na flor da idade...

Tinha tantos planos, tantas ilusões, mas comecei a me sentir tão mal...

Minha mãe foi extremamente carinhosa, ela fez tudo por mim, como se, apenas sua vontade de me ter por perto pudesse reverter toda situação. Ela se culpou, achando que aquela doença fosse um problema genético, mas ela nunca teve culpa de nada, imagina! Como ela me amou!

Sofri muito por angústia e desespero, por saber que não tinha tempo, não tinha oportunidade. O médico foi fatalista no diagnóstico e no prognóstico também. Frio, simples e objetivo, não deu falsas esperanças. Eu me perguntei como teria sido se ele fosse mais humano, se pudesse imaginar meus anseios e frustração em saber que partiria tão jovem.

Ele estava me dando um atestado de óbito de forma natural, mas eu só queria viver. Nem por um segundo tentou se colocar no meu lugar ou no lugar dos meus pais?

Eu cheguei a fazer alguns tratamentos que me deixaram ainda mais debilitada, na época, foi como mexer numa cobaia. A leucemia ganhou fácil!

Meus familiares também tiveram um comportamento difícil de engolir. Correram para nossa casa, dizendo que precisavam se despedir de mim e se colocaram a disposição dos meus pais para tratarem das formalidades. Eu estava ouvindo tudo, me doeu no coração.

Eu só queria que as pessoas pudessem se colocar no lugar das outras de verdade. Imaginar se fosse com você. Deixando tudo de lado porque o mal-estar não permite nem sair da cama, enquanto a mente está viva e lúcida, desejando ter disposição para agir no mundo. Eu queria fazer coisas de jovens, sair e me emocionar, queria ter tido tempo para me envolver e namorar, eu queria ter me casado e ter tido filhos. Queria estar com meus pais e não queria que eles tivessem sofrido tanto. Foram excelentes, do início ao fim, souberam me amar e me confortaram. Sem eles, teria sido muito pior.

Não é fácil saber que vai partir. Muito diferente de uma morte que, simplesmente acontece. A sentença de morte causa indignação e questionamentos que fazem você cruel diante de Deus. Eu não queria morrer, eu tinha medo e insegurança. Eu pedia para que Ele me curasse e não entendia por que devia passar por aquela experiência tão amarga, enquanto minhas amigas sorriam felizes. Por que eu?

Eu padeci aos dezesseis anos e vivi três anos amargos, esperando o dia chegar. Foi o suficiente para valorizar cada momento. Cada pequeno momento para observar o céu ou sentir a brisa do mar. Eu valorizei o carinho da minha mãe e a gargalhada do meu pai. Eu me lembro de quando dormi na cama deles e sinto muita saudade, mas compreendi tudo o que aconteceu.

Tudo é resgate. E é tão passageiro que eu não devia ter reclamado tanto. Mas, eu não sabia que era, apenas uma etapa do meu grande ciclo da vida. Em outras existências, eu chefiava um imenso grupo do exército, as pessoas que eram capturadas como opositores, precisavam passar por um julgamento e eu enviei muitos à forca. Nunca imaginei que podiam ter famílias ou que podiam estar sendo coagidos. Eu só pensava em eliminar aqueles que podiam causar o mal. Sentença de morte...

Nenhum ser humano pode brincar com a vida, nem se sentir o dono da vida, exclusivismo de decidir quem vive ou morre. Nenhum ser humano pode determinar o destino de alguém, humano ou animal.

Eu compreendi muitas coisas e, com isso, conseguirei traçar uma nova jornada, cheia de possibilidades. Fiquei muito feliz quando cheguei aqui e descobri que a vida é eterna e eu tenho outras chances de encontrar meus pais e vivenciar tudo o que não vivi da última vez. Fiquei muito satisfeita de conhecer este mundo e saber que, em breve, estarei retornando para uma vida de esperança e trabalho árduo.

Eu poderei me dedicar aos cuidados dos doentes. Dedicarei minha vida para fornecer saúde e esperança. A área médica, nem sempre, pode salvar vidas, mas sempre pode depositar fé e esperança nos corações daqueles que parecem despedaçados.

 Emília

          *** Psicografado por Paula Alves ****

    

“O ser humano pode perder a consciência de si mesmo, mas ainda assim, têm necessidades afetivas”

 

As lembranças foram se apagando aos poucos. Sutilmente, eu tive dificuldades para encontrar objetos ou lembrar dos nomes das pessoas. De repente, os fatos foram se apagando da memória e meus familiares me questionaram, mas eu não tinha resposta para suas indagações.

Sempre fui privilegiado com minha memória. Minha esposa ria de mim porque eu sabia de cor os aniversários de todos e conseguia fazer surpresas. Meus filhos estranharam meu comportamento, minha inquietação porque eu perdi uma lupa e, logo em seguida, me irritei porque não sabia o que estava procurando.

Eles tentaram esconder, o médico foi lógico e informou que seria difícil cuidar de mim, mas minha esposa avisou que ficaria do meu lado. Ela não imaginava que seria tão difícil.

Com o avanço da doença, eu esqueci até dos cuidados pessoais. Eu me irritava dizendo que não havia me alimentado, enquanto ainda estava com a boca suja de tanto comer. Eu ficava nervoso, resmungava, nem de longe a pessoa que fui, paciente e delicado. Ela chorava, reclamava dizendo que eu não era mais o seu esposo. Ela não havia dedicado o seu amor para um rabugento como eu.

Eu já não entendia nada, mas sentia como se estivesse sendo rejeitado. Eu sentia a energia deles. Um empurrando para o outro, os cuidados daquele velho resmungão. Eu sentia o desprezo e depois, sentia medo quando gritavam.

Eles gritavam quando eu me sujava todo ou sujava a casa com excrementos. Eles perdiam a paciência e eu achava que iam me bater. Meus filhos me levaram para suas casas, eles tentaram cuidar de mim para facilitar a vida da mãe que também era idosa. Eles gritavam e eu tremia de medo. Era uma imagem muito distante de mim, aquele homem resolvido, consciente e laborioso. Tudo mudou!

Então, depois de inúmeras tentativas, eles concluíram que não podiam ficar comigo porque ninguém sabia cuidar de um velho com Alzheimer. Eles tinham que viver suas vidas e eu dava muito trabalho. Acharam mais conveniente me internar e eu passei os últimos anos internado. Me esqueci de todos eles, então foi mais fácil não me visitarem. Sozinho, completamente fora da realidade, mas eu sentia o vazio, a necessidade de receber afeto.

É estranho explicar, o ser humano pode perder a consciência de si mesmo, mas ainda assim, têm necessidades afetivas. A vida de alguém que tem apoio e acolhimento é muito melhor, eu sentia falta de algo que nem podia explicar, mas sentia...

Tudo se esclareceu quando eu recobrei minhas memórias antigas. A inteligência pode nos impulsionar para o bem ou para o mal. Eu usei minha inteligência para lesar muitos compatriotas. Extorqui, roubei e dilapidei patrimônios inteiros. Uma memória invejável para guardar dígitos e pronto! Tudo era transferido de uma conta para outra. Para mim, muito simples. Nunca me pegaram. A lei dos homens não pode me condenar, mas a sentença divina foi perfeita. Me tiraram o que eu tinha de mais precioso, a mente, a minha memória.

Eu entendi e aceito a sentença. Acredito que foi bem branda diante do mal que eu produzi. Meus familiares fizeram por mim o que esteve no alcance de cada um deles, entendi também. Cada um, oferta o que tem para dar, mas se cada um que sofre tivesse apoio daqueles que estão ao seu redor, toda pena seria mais facilmente suportada.                                     

Samuca

*** Psicografado por Paula Alves ****

 

“Nunca insinuar que está passando por algo que não merecia como se Deus fosse injusto”

 

 Eu tinha dores diariamente, dores difusas. Então, muitos debochavam de mim porque diziam que eu nem sabia o que estava sentindo. Meu marido vivia falando que eu era uma mulher muito preguiçosa, ele se arrependeu de ter casado comigo porque além de preguiçosa, eu era mal-humorada.

O pior é ter que fazer as coisas sem ânimo e com dores. O corpo parecia esmorecido, eu chorava todos os dias porque não tinha quem pudesse me entender.

Imagina se naquele lugar de miséria alguém ia entender de fibromialgia? Não tinha nem médico para atender quem estivesse morrendo, quem dirá a preguiçosa...

Foi uma vida amargurada com dor e falta do indispensável. Saúde é coisa rica. Não me conformo com estas pessoas que têm saúde, disposição, condições de trabalhar e não fazem nada ou, então, ficam se destruindo por aí com vícios de todos os tipos, fazendo coisas que podem fazê-los morrer por pura besteira de se aventurar.

Quem dera tivesse tido uma oportunidade de ter um dia em paz, sem dor nenhuma. Sei que na cidade tem tratamento para estas dores difusas. Outra coisa importante é valorizar o acesso aos tratamentos, fazer tudo direitinho para melhorar, não esmorecer e fazer o tratamento seguindo rigorosamente as orientações da equipe de saúde.

Sei que tem gente que vive bem, o mesmo diagnóstico e outra forma de viver a vida porque tem cuidados e consegue ter qualidade de vida. Viu a diferença entre uns e outros? Dependendo da condição sócio econômica muda tudo, determina se você vai sorrir ou não. Claro que eu tentei de tudo, tinha benzedor que fazia chás e tentava ajudar. No meu caso, tinha dias que eu conseguia dormir melhor, mas a labuta era grande demais e os músculos não aguentavam tanta sobrecarga, sofria demais.

Depois de um tempo, a gente se acostuma com tudo. O ser humano tem esta facilidade de se adaptar e também, não dá pra sentir falta do que não tem. Eu senti dor a vida toda... Na velhice, eu já nem reclamava, aprendi a fazer uns banhos e unguentos, até distribuía para as vizinhas, fui vivendo. Adaptação diante da dor, a gente aprende a aguentar e vive. O pior era a depressão que ninguém nem sabia o que era. Chorava, sentia um amargor no coração e aquele marido me enchendo, falando bobagem. Muito complicado.

Mas, cheguei aqui, tudo passou. O principal é não reclamar, aprender a passar com dignidade, não maldizer a vontade de Deus. Nunca insinuar que está passando por algo que não merecia como se Deus fosse injusto.

Quando dei por mim, já estava entendendo que no passado eu abusei dos escravos da fazenda. Eu os abrigava a trabalhar noite e dia, até não ter forças no corpo, até cair duro no chão. Eu não ligava que estavam com fome ou sede, ainda mandava chicotear. Foi muita crueldade. Acho que eu senti em mim, um pouco das dores dos outros. Entendi o quanto fui terrível com aqueles que estavam ao meu redor. Eu me arrependo imensamente.

 Clotilde

 *** Psicografado por Paula Alves ****

 

“Saber que somos capazes, já é superação. A limitação moral é muito pior do que a física”

 

A felicidade da noiva é grandiosa! São tantos pensamentos lindos, planos de formar uma família harmoniosa e de ser feliz para sempre com aquele ser amado.

Nós ganhamos a casa dos meus pais e meus sogros mobiliaram tudo, do jeitinho que eu sonhei. Meu noivo, muito carinhoso, fazia todas as minhas vontades, mas eu comecei a me sentir mal. Achavam que fosse estresse por causa do casamento, mas minha mãe decidiu me levar ao médico. Quando diagnosticaram Lupus, eu fiquei confusa porque nunca tinha tido contato com esta doença e achei que não era tão grave, mas o médico me explicou a gravidade da doença e do quanto podia ser incapacitante.

Eu fiquei com medo, mas pensei que tudo podia ser superado com o apoio dos meus familiares, porém, eu não sabia que sofreria discriminação no ambiente familiar. Minha sogra fez a cabeça do meu noivo, ela não permitiu que eu me casasse com ele, temendo que ele tivesse que cuidar da esposa doente e que não pudéssemos ter filhos. Eu entendi a situação dela, apenas quando cheguei aqui.

No fundo, eu guardei muita mágoa e sofri demais quando ele terminou nosso noivado. Tudo estava preparado, a data marcada e eu tive que sofrer da doença, do término dos meus planos e sonhos de família.

Muito tempo se passou, eu tive um médico ótimo e também tinha condições de me tratar adequadamente, o que fez com que a doença ficasse estabilizada por longo tempo. Eu pude estudar e me entregar à carreira, conheci um homem incrível que me tratou bem, mesmo depois que soube da minha condição.

Estar com uma doença crônica não é fácil porque você tem que estar atenta ao seu corpo o tempo todo, se cuidar de forma detalhista e estar sempre acompanhando com exames e tratamentos. Mas, com empenho e perseverança pode ter uma vida feliz.

Ninguém tem uma saúde que é igual do outro. Todos nós temos limitações físicas e orgânicas, alguns muito pequenas, imperceptíveis, é o uso dos óculos ou uma lombalgia. Outros, nascem sem uma perna. De uma forma ou de outra, somos todos merecedores de atenção e precisamos estar atentos a estas limitações para viver o tempo programado nos desenvolvendo o máximo que seja possível.

Eu não quis perder meu tempo reclamando ou choramingando por tudo o que perdi. Sempre acreditei que as pessoas podem conquistar coisas especiais se tiverem ânimo e força de vontade, então, apesar das minhas limitações orgânicas eu me enchi de entusiasmo e trabalhei. Cada dia foi incrível, foi maravilhoso.

Saber que somos capazes, já é superação. Eu amei a vida e sou muito agradecida pela vida que tive e por todos que fizeram meus dias mais felizes. As pessoas que me discriminaram, achando que eu não era boa o suficiente, sinto muito por elas, a limitação moral é muito pior do que a física. Nós precisamos nos empenhar para sermos boas pessoas porque isso depende do caráter de cada um.

 Michele

                 

*** Psicografado por Paula Alves ****

 






“Acredito que, neste mundo todos sofrem”

 

Foi uma vida harmoniosa. Eu não me casei por amor, mas fui obrigada a atender as solicitações de um pai que acreditava naquele contrato, ele dizia que aquela família cuidaria de mim, então, eu aceitei, confiando na escolha de papai.

Teodoro foi muito paciente e respeitador, tão delicado e calmo acabou me conquistando. Em pouco tempo, eu estava completamente envolvida com meu esposo. Dediquei a ele meus anos mais risonhos e o mais sincero amor.

Tivemos três filhos lindos e amorosos. Eu não teria do que reclamar, tudo foi belo, mas com o passar dos anos percebi o seu esquecimento. No início, em decorrência de coisas simples e triviais, depois esquecia de coisas importantes e também de familiares.

Eu me preocupei, após consultar o médico tive o diagnóstico de demência senil, na verdade, ele tinha Alzheimer, mas o médico me apresentou como demência para explicar que não tinha como curar, era progressivo e eu tinha que me adaptar para cuidar dele para sempre.

Foi muito doloroso ver meu marido perdendo a consciência de si, da sua posição social e familiar, do nosso relacionamento.

Houve um dia que ele se esqueceu de mim, perguntava pela Débora, sua esposa graciosa que se parecia comigo, mas como poderia se eu, tão envelhecida? Eu sofri demais. Nunca imaginei que, de fato, era u quem iria cuidar dele.

Acredito que, neste mundo todos sofrem. Eu até estranhava da vida tranquila e sem sofrimento que tínhamos. Mas, o meu sofrimento não foi muito menor que o dele, sofrimento reflexo também dói demais.

É quando você sofre em ver o sofrimento alheio, desejoso de solucionar os problemas do outro, sem ter condição de fazer isso. Sofri demais, mas tentei não deixar transparecer para que meus filhos suportassem a dor com mais leveza e meu esposo tivesse uma vida tranquila e confortável.

Aprendi tanto! Acredito que foi das encarnações mais proveitosas porque desenvolvi virtudes que achei não fizessem parte de mim. Apesar de todas as dificuldades, cuidei dele até o fim, sofri a sua perda, sofri a dor da solidão e desenvolvi um amor lúcido e humanitário que me reaproximou dele aqui no plano espiritual.

Aquela doença fez bem para nós, através dela, nos desenvolvemos, ressarcimos débitos e nos amamos, ainda mais.

 Débora

10/02/2024

*** Psicografado por Paula


“Existe muita gente que é fraco para dor, reclamam e se aproveitam de tudo para não ter responsabilidades”

 

Fui em tantos médicos, alguém tinha que saber o que minha filha apresentava.

Muitos, disseram que era emocional, que eu cobrava muito de Amanda e ela estava sobrecarregada. Me senti culpada, não sabia o que fazer para aliviar seus sintomas. Até que ela teve uma sincope e corremos com ela para o pronto socorro. Naquela noite, Deus colocou um anjo em forma de médico no meu caminho.

Aquele Dr. Soube reconhecer que o Lupus agredirá a válvula cardíaca. Eu não entendia nada de doença reumática, mas sabia o quanto minha filha estava sofrendo sem tratamentos.

A vida dela não se modificou depois disso, ela continuou tendo crises álgicas e cardíacas, mas com o diagnóstico sabíamos a quem recorrer e como deveríamos proceder nas crises.

Apesar, das dificuldades físicas, ela se esforçava para ser normal na sociedade, para estudar e ter amigos.

Eu admirei muito minha filha e aprendi demais com tudo que ela vivenciou. Existe muita gente que é fraco para dor, reclamam e se aproveitam de tudo para não ter responsabilidades, faltam no emprego e até enganam, criando doenças fantasmas, no entanto, aquele que realmente sofre, deseja estar presente e participar de tudo. Acho que é, no mínimo, ingratidão de muitas pessoas com a saúde que receberam.

Existem tantas que se queixam dos seus filhos saudáveis, elas evitam os filhos e fazem de tudo para delegar suas responsabilidades à terceiros, mal sabem o quanto sofrem as mães que veem seus filhos com dores, dificuldades e sofrimentos variados impossibilitadas de ajuda-los.

A Amanda se adaptou com os tratamentos e medicamentos, conseguiu ter uma vida quase normal. Ela foi feliz, nós fomos.

Nunca me esqueço das diversas vezes em que ela mesma me deu esperanças em ficar melhor. Ela olhou para mim, me viu chorando e disse:

—Mãe, não fica assim não, tudo passa!

Verdade. Passou tão rápido! Nós fomos tão amigas e companheiras, através da compaixão que senti por ela. Conseguimos dissolver sentimentos de adversidades de muitas encarnações pregressas.

Hoje estamos bem, nos preparamos para o retorno como amigas que irão desenvolver trabalhos com crianças carentes. Estou feliz com este novo projeto. Se Deus quiser voltaremos jubilosas.

 Alice

10/02/2024

             *** Psicografado por Paula Alves ****

 


“Se as pessoas fossem mais caridosas...”

 

Acredito que seja mais fácil ajudar quando a pessoa é da família, mas eu não tive sorte. Meus familiares fizeram os testes, mas nenhum deles era compatível comigo.

Fiquei numa fila interminável aguardando por um doador. Eu não tinha nenhuma esperança porque muita gente estava esperando, como daria tempo de chegar minha vez? Por que eu deveria supor que minha vida valia mais do que a deles?

Minha mãe dizia que eu era pessimista e, por isso, as coisas não davam certo para mim. Ela falava de Deus, que ele me amava e iria me salvar. Eu ficava até irritada porque sempre achei que Deus não podia ser responsabilizado por tudo. Em se tratando do bem ou do mal porque tudo era culpa de Deus?

Não. Eu não queria responsabilizá-lo, mas mãe era fanática, foi por isso que eu sofri tanto com meu desencarne. Ela se revoltou contra o Pai dizendo que Ele virou as costas para ela. Vê se pode?

Eu sentia que aquela vida era curta, mas não sabia explicar isso para mãe. Ela ficava exausta esperando doador e eu só queria viver meus minutos da melhor forma possível.

Ora, se houvesse mais gente preocupada com o sofrimento alheio... Gente que faz de tudo pelo bem dos outros e doa sangue, medula óssea, cabelo, córneas, coração, rins, sorrisos e atenção, eu até poderia ter pensado diferente, mas infelizmente a maioria das pessoas só quer pensar nisso quando elas ou alguém da família tão mal, mas tão mal que precisa de doação.

O pior de tudo é pensar que isso pode acontecer com qualquer um. E se fosse com você. Como se sentiria?

 

Ana

10/02/2024

                      *** Psicografado por Paula Alves ****

 






“Quando os seres amados se mostram compreensivos, respeitosos e colaboram, as dores são amenizadas”

 

Eu não sabia o que fazer para ajudar. Dava pena de ver o estado dela. Minhas irmãs reclamavam e ficavam indignadas, dizendo que ela era preguiçosa e me explorava, mas só u sabia como a vida era difícil para ela.

Ainda assim, a pobrezinha trabalhava em casa, trabalhava fora e ainda cuidava dos nossos filhos e dos pais dela.

Quando eu falava para Marlene sossegar um pouco, ela falava que outras pessoas também tinham problemas e dependiam dos cuidados dela, ela precisava vencer a dor e prosseguir.

Falou diversas vezes que “a gente se acostuma com tudo, até com a dor”. Então, eu fazia de tudo para ajudar, já que eu não podia liberta-la de todo sofrimento físico. “Isso é por causa do seu peso” ou “ é a idade dona Marlene, assim mesmo, tem que acostumar é daqui para pior”

Eles não diziam que ela tinha “Fibromialgia”, no Norte era difícil demais a gente ter acesso a medicina de qualidade. A coitada foi considerada preguiçosa. Mas, nós, os entes queridos mais próximos, tínhamos que procurar facilitações para a vida daquela mulher que tudo fazia para nos agradar, tamanho amor e consideração que teve por todos.

Quando os seres amados se mostram compreensivos, respeitosos e colaboram, as dores são amenizadas. Nada mudou, a doença continua a mesma, os infortúnios permanecem, mas o apoio e a solicitude aliviam a carga da dor.

 

Donizete 

10/02/2024

         *** Psicografado por Paula Alves ****

 “A vida dá voltas e nós sempre colhemos”

 

Parecia que eu estava esquecendo as coisas e tentava me lembrar, mas foi como um martírio. Eu procurava e nunca iria encontrar porque não sabia o que estava procurando e isso me irritava demais.

Os familiares perceberam que eu estava diferente, apesar do meu esforço enorme para disfarçar que algo estava me afligindo. No fundo, eu temi, soube que podia estar doente e quando mencionei à minha esposa, ela se chocou.

Ficou desesperada e comentou com nossos filhos que eu estava perdendo a memória. Eu sabia que era patológico e te confesso, dá desespero, muito medo e angústia.

Pavor da dependência e da inutilidade. Eu sempre fui um cara muito autossuficiente. Jamais desejei precisar da assistência dos outros.

Sei lá, tem gente que parece gostar do auxílio de terceiros, gostam de serem servidos ou de fazer corpo mole, enquanto outros trabalham dobrado, mas este nunca foi meu caso.

Eu sempre tive orgulho da minha iniciativa e decisão, da independência desde pequenino, comecei a trabalhar jovenzinho e foi uma vida bem árdua que eu enfrentei de cabeça erguida, por isso, fiquei horrorizado quando me apareceu aquela crise de ausência e esqueci de todas as coisas e pessoas. Eu fiquei desnorteado, mas as situações não desapareceram todas de uma só vez, eu tive consciência de que estava piorando e isso foi muito pior.

É como perder a própria identidade, ver que você está sumindo, desaparecendo em frente ao espelho. Como se você já não soubesse da sua história e de tudo o que aconteceu durante as décadas que viveu. Foi horrível!

Eu queria uma resposta, por que estava perdendo tudo o que minha mente registrou?

Tudo o que temos são nossas lembranças, tudo. O que temos são os momentos, as sensações, os registros, as imagens, os históricos. As lembranças são tudo o que temos e eu estava perdendo tudo o que tinha registrado, por que?

Fiquei indignado comigo, com minha doença que me colocava como um demente no mundo. Como alguém que não consegue raciocinar para cuidar de si mesmo, eu já nem lembrava de quem eu era, do que gostava ou quem eram aquelas pessoas que me tratavam com carinho e eu fiquei muito irritado.

Eles tiveram muita paciência e eu queria me desculpar, mas tinha medo de todos porque eu não os conhecia.

Foi bem difícil. Compreendo que foi imprescindível porque eu precisava ficar sozinho, mesmo estando com meus familiares.

Em outros tempos, internei minha esposa num hospício porque desejei me apropriar da herança de família que ela tinha direito. Eu fiz de tudo para que ela ficasse presa e sozinha. Eu fiz questão de me esquecer dela para que minha consciência não cobrasse o mal que eu cometi e pudesse viver feliz com outra mulher, as regalias daquele dinheiro que usurpei. A vida dá voltas e nós sempre colhemos, colheita dolorida para aquele que fez o mal. Foi assim que o Alzheimer fez o resgate das minhas faltas. Pena branda, aliviada pelo amor do Pai para com um filho ambicioso e mal-intencionado.

Eu compreendo e agradeço todo esforço que têm feito para meu restabelecimento. Gratidão.

Jeremias

17/02/2024

               ----Psicografado por Paula Alves-----







“Ador é assim, não posso dizer que é psicológica, mas que é psicossomática”

 

Eu queria fazer mais e ter melhores condições de vida. Acreditei que minhas dores, impossibilitavam um rendimento satisfatório para que eu pudesse melhorar a vida dos meus familiares.

Meu esposo foi formidável e trabalhou incansavelmente para que eu pudesse me sentir confortável em casa, em decorrência das queixas álgicas que eu apresentava, mas eu não achava justo que só ele tivesse que se sacrificar para nos dar uma vida tranquila, então, sai em busca de ocupação, mesmo com as dores que eu sentia.

Consegui trabalhar como lavadeira, meus braços doíam muito, mas eu não podia reclamar, ele nem sabia que eu estava trabalhando. Conheci uma benzedeira que me ensinou a fazer chás e pomadas, com isso, junto com a fé nos propósitos de Deus, eu consegui levar a vida e trabalhei muito, juntei dinheiro e falei para ele que nós poderíamos comprar nosso terreno.

Foi uma vida sofrida, trabalho e dor, dor, dor, mas eu aprendi a não me queixar, pelo contrário, eu agradecia quando alguma senhora me indicava para uma amiga e eu conseguia mais trabalho porque sabia que conseguiríamos nossa casa.

Acho que minhas dores aliviavam quando eu me sentia feliz e entusiasmada. A dor é assim, não posso dizer que é psicológica, mas que é psicossomática. Dependendo do nosso estado de espírito, parece que ela aumenta ou diminui.

Sempre que eu ficava preocupada ou entristecida, parecia que eu não tinha forças para sair da cama, mas quando ficava cheia de esperança e fé, daí meu corpo se erguia e eu nem sentia tanto.

Foi aí que eu entendi o quanto é importante o controle mental e emocional. Eu fazia o possível para estar longe de assuntos que podiam me irritar ou desestabilizar, procurava ter uma vida com rotina, sono controlado, alimentação saudável, oração, suavidade de pensamentos e remédios naturais, a base de ervas.

Consegui ter um equilíbrio que permitiu ter qualidade de vida. Naquele tempo e nas minhas condições, não consegui tratar com médico, nunca soube que eu tinha fibromialgia, mas era isso sim. Com o meu jeito de ser, pude ter uma saúde estável e uma vida feliz.

 Dionira

17/02/2024

                    ----Psicografado por Paula Alves-----


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 “Tratei de diversos vícios, morais e físicos, em decorrência da educação que recebi dela”

Ela dizia que daria o coração para salvar minha vida. Acho que é difícil alguém nos amar mais do que a nossa mãe nos ama. Ela sempre foi uma mulher de muita fibra, emoção e razão que me permitiram ter uma educação incrível.

Nunca foi mãe de passar a mão na cabeça, ela me repreendeu sempre que cometi algum erro, jamais permitiria que algum filho se desviasse. Ela levava a sério sua missão de mãe e eu só tenho motivos para agradecer.

Como todos os seres humanos em processo evolutivo, retornei com falhas morais, desvios que deviam ser corrigidos ao longo desta vida eterna, mas ela se dedicou tanto em perceber o que eu precisava corrigir... Acho que foi um Espírito muito lúcido e decidido a avançar o máximo que fosse possível, o trabalho que ela desenvolveu comigo foi impressionante. Tratei de diversos vícios, morais e físicos, em decorrência da educação que recebi dela.

Para finalizar sua missão excepcional, ela me concedeu a oportunidade de prolongar a estadia na Terra quando doou a medula óssea.

Não sei explicar a sensação que eu tive, o sentimento que tomou conta de mim quando eu soube que minha mãe era compatível e podia doar. Foi alívio, paz.

Mas, Deus sabe de todas as coisas e tudo tem um preço na vida. Ela ficou muito mal depois da doação. Parecia que não tinha razões para isso, mas ela adoeceu gravemente. Enquanto eu melhorava, vi minha mãe definhar. Como se ela tivesse entregado toda a vitalidade naquela doação. Eu estava curado e minha mãe, morrendo.          

Ela percebeu, parecia sentir que o momento final se aproximava. Olhou para mim e pediu para que eu nunca me esquecesse do que ela me ensinou, eu precisava aproveitar com seriedade aquela oportunidade que recebi de ter mais algumas décadas de vida. Falou que eu era o amor da sua vida e que ela só foi feliz, o tempo todo porque teve uma família maravilhosa.

Eu entendi que existem pessoas que sabem ser altruístas e conseguem amar intensamente a ponto de fazer sacrifícios pelo outro. Minha mãe fez demonstrações de abnegação o tempo todo e eu avancei no contato com ela. Como é bom ser amado!

 

Claudiney

17/02/2024

                    ----Psicografado por Paula Alves-----

  






“Existem algumas verdades que despertam a alma, nós precisamos ouvir e nos posicionar diante das adversidades da vida”

 

Eu não quis sair de casa porque não suportaria encontrar algum amigo que visse o farrapo de gente em que eu me transformei.

O orgulho fez com que eu me enterrasse dentro de casa. Sei que havia muito que podia ser feito, mas eu não tive coragem de lutar contra o Lupus.

Acho que, para os covardes como eu, qualquer doença é fatal. Não importa o que seja, tudo é sentença de morte ou incapacidade.

Eu fui vaidosa e desejei ter uma vida invejável. Me achava muito bonita, tinha planos, era uma pessoa muito popular, então, quando na adolescência, eu comecei a me sentir muito mal e fui diagnosticada com Lupus, simplesmente não quis o contato com ninguém.

Meus pais diziam que eu estava com depressão, mas era orgulho ferido mesmo, eu tinha vergonha de aparecer daquela forma, cara de doente, inchada por causa dos medicamentos, esgotada por causa das dores, feia, deprimida e sem esperança.

Me isolei e meus pais se entristeceram demais. Eu nunca pensei no sofrimento deles. Foi como se eu estivesse caminhando só, mas a verdade é que eles sofreram comigo, acho até que muito mais porque não podiam fazer nada se eu me recusava a melhorar.

Eu só percebi quando vi minha mãe chorando, sendo consolada pelo pai. Ela disse que sentia doer o coração só de ver o quanto eu estava me arrastando na vida. Ela queria ajudar, mas não sabia o que fazer. Se pudesse, ela trocaria de lugar comigo e pegaria todos os meus problemas para ela.

Eu me senti uma grande egoísta. Tentei me esforçar para retomar minha vida, afinal era este o jeito que eu precisava viver.

Eu me conscientizei de que cada um de nós, tem o seu caminho marcado, nenhum caminho é igual o outro, mesmo os pais não conseguem aliviar os caminhos dos seus filhos e tem de aceitar promovendo, apenas conforto moral.

Então, eu não podia almejar que minha vida fosse como a vida das outras pessoas, eu precisava aceitar minha vida com todos aqueles empecilhos e sofrimentos, devia me esforçar para encontrar facilitações na luta diária, fazendo por onde avançar, a partir do meu esforço e perseverança.

O diálogo familiar é muito importante. Existem algumas verdades que despertam a alma, nós precisamos ouvir e nos posicionar diante das adversidades da vida. Nada melhor que receber elucidações daqueles seres que nos amam muitíssimo.

Foi uma vida cheia de desafios, mas junto dos meus pais, os dias ainda foram floridos.

 

Laura

17/02/2024

                ----Psicografado por Paula Alves----


“Nós só valorizamos a vida quando ela está prestes a se extinguir”

 

Eu devia ter aproveitado melhor o meu tempo. Eu tive condições de desempenhar uma série de coisas que seriam muito proveitosas para mim e para aqueles que conviveram comigo, mas me entreguei a coisas fúteis e sem sentido.

Foram trinta anos de vida ociosa, cheia de vícios e libertinagem. Meus pais tinham bons planos para mim, desejavam que eu me formasse e seguisse carreira militar, mas eu achava que aquela vida não era para mim, simplesmente porque não estava disposto a me dedicar ativamente num propósito edificante de vida.

Eu sei que fiz com que todos sofressem com minhas imprudências. Quando a leucemia chegou, meus pais já estavam cansados de sofrer com minhas delinquências e, mesmo assim, se esforçaram ao máximo para encontrar um doador. Eles tinham fé em mim, no meu potencial. Eles nunca desistiram de ver o filho num futuro promissor. Acreditavam que eu poderia seguir uma vida retificada, formar família e ser feliz.

Mas, eu fiquei doente e eles ainda se perguntavam: “por que, justamente com ele?”, “por que com nosso filho tão amado?”

Ainda acreditaram que aquela doença era uma injustiça para alguém que nunca soube valorizar tudo de bom que recebera. Os pais são muito amorosos e conseguem perdoar estas falhas de caráter que os filhos têm, menosprezando todas as preciosas instruções que os pais desejaram passar.

Eu via o sofrimento no rosto deles e ouso dizer que sofreram muito mais do que eu. Nem sofri porque eles me cobriram de afetos e delicadezas que fizeram meus dias muito confortáveis. Com tudo isso, modifiquei minha forma de enxergar a vida e me arrependi imensamente. Como pude ser capaz de desrespeitá-los daquela maneira me deixando fracassar? Eu senti vergonha.

Em determinado momento, eu não tinha forças, nem para ficar de pé, para me erguer da cama e refleti em todos os momentos em que estive tão vivo, tão cheio de forças e ânimo, eu não me esforcei para estudar ou trabalhar, eu dediquei meus dias a todos os tipos de abusos, desperdício de saúde e vitalidade.

Eu desperdicei uma vida fazendo bobagens, enquanto tive pessoas que me apoiaram o tempo todo e não mereciam a maneira como vivi. Eu me sinto envergonhado e considero que não merecia ter recebido uma doação.

Penso que a doação é uma nova oportunidade. Entregue àquele que realizará muito bem suas inclinações e aproveitará esta nova chance para ser útil, compensando todo tempo que recebeu. É como um bônus, uma extensão da vida, um presente e eu, não merecia estender a vida que eu nunca soube preservar, nem me esforcei para fazer dela um bem para mim e para os outros.

Eu considerei que as pessoas deviam pensar nisso quando se entregam aos absurdos da vida: vícios e desvarios que antecipam o desencarne. Eu fazia de tudo para não viver muito, esta é a grande verdade, mas meus pais sofreram muito mais do que eu e eles não mereciam um filho que desse tanto desgosto e preocupação.

Se eu pudesse ter mudado, faria de tudo para que tivessem tido uma vida feliz e tranquila. Eu não teria sido o causador dos seus problemas. A leucemia me ensinou uma grande lição. Nós só valorizamos a vida quando ela está prestes a se extinguir.

 

Nivaldo

25/02/2024

 

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“Lupus trouxe muitas limitações por causa dos problemas orgânicos”

 

Eu adorava cuidar do meu jardim e percebi, com o passar do tempo que minhas mãos estavam extremamente dolorosas. Eu não tinha a mesma habilidade de antes e me cansava facilmente, algo estava errado.

Eu devia ter aproveitado melhor minha vitalidade quando tive condições para isso. Foi extremamente desgastante ir a médicos, fazer exames e muito triste saber que não tinha cura para o meu problema. Eu tinha que aprender a conviver com o sofrimento e me adaptar em busca de qualidade de vida.

Confesso que sempre fui um pouco preguiçosa, eu nunca tive muita coragem para encarar a vida. Admirei aquelas mulheres que conseguiam desempenhar mil coisas ao mesmo tempo, mas eu nunca fui assim. Minha mãe reclamava dizendo que eu era devagar e não gostava de realizar as tarefas domésticas. Eu gostava de cuidar das flores e nada mais.

Desejei ter tido mais disposição quando encarei que minha vida seria mais difícil. Acho que deve ser comum. Quando sabemos que algo nos será tirado, isso passa a valer muito para nós. A minha saúde se tornou algo muito precioso. Eu podia conviver com a dor, mas o pior foi admitir que seria uma vida tão restrita, quase inútil, mas em decorrência de tudo o que eu estava descobrindo, minha mãe percebeu minha decepção e comentou em tom de gracejo: “Mas, você nunca quis fazer grande coisa, filha”.

É verdade, eu nunca tive grandes ambições, nunca me esforcei para ser uma pessoa ativa ou útil na família ou na sociedade, para que eu desejaria mudar tudo agora que as dificuldades se apresentavam diante de mim?

Porque eu sabia que não podia fazer grandes esforços. O Lupus trouxe muitas limitações por causa dos problemas orgânicos, mas o pior foi a mente. Eu cheguei a conclusão de que minha vida poderia ter sido muito diferente. Eu poderia ter me dedicado como tantos outros, ter tido uma vida agitada, cheia de compromissos e tarefas edificantes. Eu podia ter me envolvido com pessoas incríveis e ter feito parte de grupos de auxílio. Poderia ter aprendido tanto e me acomodei.

O Lupus não acabou com minhas possibilidades, a fraqueza moral acabou com elas. O Lúpus me fez enxergar o que eu poderia ter sido e não fui por causa da preguiça e comodismo. Eu seria da mesma forma sem o Lupus, porém, sem a necessária conscientização.

Depois de tantas reflexões, entendi que eu precisava fazer algo produtivo independente da minha situação álgica. Então, fiz tudo o que pude, estudei, trabalhei na minha floricultura, forneci trabalho para alguns funcionários e tive muitos amigos, até um namorado.

A doença pode ser fonte enobrecedora, tudo depende da forma como você procura refletir diante de tudo o que te acontece.

 

Lorena

25/02/2024

 

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“Muitas vezes, nosso egoísmo faz com que pensemos que somos mártires”

 

Eu me queixei demais. Enquanto estive encarnada não pude perceber. A gente acostuma e não consegue notar que tudo pode se tornar um hábito. Eu tive o hábito do melindre, da reclamação.

Durante este tratamento, pude relembrar e vi o quanto eu reclamava. Cheguei a afastar diversas pessoas por causa deste comportamento desagradável. Eles gostavam de mim, mas eu me tornava uma pessoa cansativa e sombria como se não tivesse nada de bom para oferecer.

Eu me queixava das dores e deixava que a melancolia tomasse conta de mim, por isso, eles não conseguiam ficar comigo por muito tempo. Me chamavam de chata e eu me indignava quando ouvia alguém me chamando de chata, mas era verdade. Eu também não ia desejar entrar em contato com uma chata como eu.

Nós precisamos permitir que as pessoas desejem estar conosco. Fazer o possível para sermos agradáveis, amáveis e atenciosos. Não desejar ser o centro das atenções, mesmo que seja, usando a doença ou o sofrimento para atrair os olhares ou compaixão das pessoas. Eu não teria esta clareza mental se estivesse encarnada, mas a verdade é que percebi que isso é filho do orgulho.

Que vergonha! Eles estavam certos em me evitar. Hoje eu compreendo bem. Tão difícil manter uma conversação com alguém que reclama de tudo e se acha o dono da verdade porque está doente. Até os mais próximos faziam de tudo para não ficarem comigo por muito tempo e eu pude visualizar o quanto sofriam.

Muitas vezes, nosso egoísmo faz com que pensemos que somos mártires. Pensamos que ninguém no mundo sofre mais do que nós e que, por isso, devemos receber de todos, consideração, atenção, cuidados, entre outras coisas. Eu nunca me preocupei com meus pais ou com meu marido, achando que eles não tinham dores ou problemas, mas foi um engano terrível porque na Terra todos são sofredores.

Todos têm problemas, mas algumas pessoas são tão dignas que levam sua vida com um baita sorriso no rosto que faz com que todos pensem que são imbatíveis, invencíveis, que nunca passam por algo ruim.

Mas, estes também sofrem e enfrentam tudo com dignidade. Existem outros, não menos especiais, que sofrem dores físicas e/ou morais, mas eles se importam com o sofrimento dos outros que até se esquecem de seus calvários, estes são os abnegados. Eu nunca havia pensado em tudo isso, aprendi aqui e fiquei lembrando de vários que estavam bem perto de mim e eu podia ter aprendido muito com eles se parasse de pensar, apenas no meu egocentrismo.

Todos sofrem, mas a beleza do sofrimento está em conseguir visualizar um mundo de possibilidades de crescimento e paz. Usar o sofrimento para seu próprio crescimento, ajudando os demais.

Eu perdi tudo com minhas queixas. Perdi todos os benefícios que poderia ter tido com o sofrimento porque foi como ter criticado o poder de Deus na minha vida, foi não ter submissão à Sua vontade, fui ingrata. Não aproveitei aquela existência onde a fibromialgia me fez sofrer, sei que na próxima a carga será ainda pior. Eu estou me preparando para retornar, para que seja uma vida mais bem-sucedida, sem reclamações.

 

Ester

25/02/2024

 

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“Nós só valorizamos o desenvolvimento financeiro, intelectual e deixamos de lado todos os outros setores da vida humana”

 

Eu devia ter aproveitado o tempo que tinha para ficar com eles. A gente acha que sempre vai ter tempo. Que no futuro as coisas serão mais tranquilas e vamos ter maiores possibilidades financeiras para descansar, passear com a família, ficar à toa reconhecendo aquelas pessoas que estão ao seu redor.

Mas, eu achava que podia deixar pra depois, quando tudo estive bem alicerçado e eu estivesse com condições apropriadas para isso. Achei que tinha muito tempo.

Vi que cresceram, o quanto se esforçavam na vida, nos estudos, depois procurando empregos e oportunidades. Minha esposa dava de ombros, dizendo que nossos filhos aprenderam comigo e quase não tinham tempo para a alimentação ou para o descanso, pensando numa vida melhor. Ela dizia que não devia ser assim, correndo atrás de bens e posses, enquanto a vida passava tão rápido. Ela falou que eu não aproveitei a infância deles e que eu nem conhecia nossos filhos, eu não sabia o que passava na cabeça deles porque nunca tinha tempo para conversar.

Eu corri, trabalhei tanto, construí um patrimônio confortável e ensinei para meus quatro filhos que não devemos perder tempo com bobagens, antes de termos uma vida tranquila. Deste modo, eles seguiram meus passos e se arruinaram tanto quanto eu.

Nós só valorizamos o desenvolvimento financeiro, intelectual e deixamos de lado todos os outros setores da vida humana. Nunca achei importante me dedicar à espiritualidade ou fortalecer laços de amizade. Eu não tinha tempo para conversas.

Mas, quando notei que tudo estava se apagando, fiquei muito arrependido porque soube que eu não teria tempo para realizar tudo o que eu sempre deixei de lado. A doença não ficaria esperando até que eu pudesse realizar minhas vontades. Eu falei para minha esposa, antes de me esquecer dela, que tudo o que disse estava cheio de razão. Eu errei muito em não dedicar tempo para a família e lazer, eu precisava ter apreciado o vento e a chuva, eu precisava ter conhecido meus filhos e podia ter ficado abraçado com ela um pouco mais.

Eu me esqueci. Esqueci de quem eu era e daquele ritmo frenético que me fazia deixar as refeições de lado. Ela me abraçava com um olhar fraternal e eu estranhava aquela presença, mas me deixava ser abraçado. Eu gostava de receber afeto.

O tempo pode ser melhor aproveitado. Tem tempo para tudo: para amar e trabalhar, para estudar e descansar, tempo para observar e falar. Tempo para questionar e meditar.

Eu não soube aproveitar o meu tempo e perdi tudo antes da morte chegar porque perdi a consciência de mim mesmo. Eu tinha tempo, todo tempo do mundo e não tinha consciência do que poderia ser feito dele e não consegui fazer mais nada. Então, eu fiquei ali inerte, enquanto todos a minha volta seguiam suas vidas.

O Alzheimer me ensinou que a mente precisa ser valorizada com momentos prazerosos que envolvem família, lazer e descanso. Eu podia ter aproveitado melhor o meu tempo precioso.

 

João de Farias  

25/02/2024 

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